“Nos primeiros dez dias, a nossa equipa fez mais de 200 testes”

Nuno Pina é o português que trabalha como preparador físico na natação chinesa e com Pan Zhanle, o único nadador que, até agora, bateu um recorde mundial nos Jogos de Paris.

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Pan Zhanle nadador chinês, medalha de ouro e recordista mundial dos 100m livres Ueslei Marcelino / REUTERS
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O trabalho de sonho de Nuno Pina está quase a chegar ao fim. Quando se cumprir o último dia da natação pura nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, o preparador físico português vai ficar sem emprego, regressa a Lisboa e vai de férias. Mas é pouco provável que essa condição se mantenha por muito tempo. Pina trabalha na poderosa natação chinesa e é ele o principal responsável pela preparação física e recuperação de Pan Zhanle, medalha de ouro nos 100m livres com um extraordinário recorde do mundo (46,40s) e com mais de um segundo de vantagem sobre os restantes membros do pódio.

“[O dia do recorde do mundo] estava na nossa agenda há dois anos. Estava assinalado há muito tempo como o principal objectivo”, conta ao PÚBLICO este português de 32 anos, que trabalha com a federação chinesa de natação desde Abril de 2023 e cujo contrato termina no último dia da natação olímpica, onde a China, como sempre, assumiu um papel de destaque, embora com menos exuberância do que em outros Jogos: uma medalha de ouro (a de Zhanle), duas de prata e quatro de bronze.

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Pan Zhanle e Nuno Pina nos Mundiais de Doha Foto cedida por Nuno Pina

Os grandes resultados dos chineses na natação (e, diga-se, noutras modalidades) geram sempre grande controvérsia e, sempre que há Jogos Olímpicos ou Mundiais de Natação, o tema do doping mete sempre a cabeça de fora – desta vez sobre alegados testes positivos de alguns nadadores antes dos Jogos de Tóquio em 2021, entre eles o de Zhang Yufei, que já tem dois bronzes em Paris. Num contacto com um português que trabalha na natação chinesa, a pergunta era inevitável e Nuno Pina tem uma resposta, que é, ao mesmo tempo, uma defesa e uma crítica.

“Estamos a falar de casos muito antigos. Nós chegámos a Paris no início de Julho e nos primeiros dez dias a nossa equipa fez mais de 200 testes. Não estou a exagerar, neste momento duvido que haja qualquer selecção mundial que faça tantos testes como a nossa. A acordarem nadadores às cinco e às seis da manhã, a faltarem a treinos para serem testados… Acho que foi desumano o que fizeram à nossa equipa, os resultados de performance estão à vista e os resultados dos testes estão amplamente divulgados, cumprimos com a nossa parte espero que os outros estejam a cumprir com a sua”, foi tudo o que o português disse sobre o assunto.

“Foi surreal”

Quando comparado com as grandes potências da natação, como os EUA, a Austrália ou a própria China, é legítimo perguntar por que razão contrataram um preparador físico português? Nuno Pina confessa que ele próprio ficou surpreendido com a proposta de emprego, mas que tudo se deveu a duas coisas: a qualidade da formação em Portugal e o seu próprio currículo, que incluía uma passagem pela Federação Portuguesa de Natação, com experiência a trabalhar em Mundiais e Europeus, pelo Sporting e pelo Benfica – e esses dois nomes, diz, têm peso.

Como é que tudo aconteceu? Enviaram-lhe um link pelo Facebook, Pina enviou uma mensagem privada a quem estava envolvido no processo de recrutamento e, depois, seguiram-se trocas de emails, currículo para lá, aptidões necessárias para cá, reuniões por videochamada e contrato assinado por duas épocas para trabalhar a tempo inteiro num centro de alto rendimento em Pequim. “Pediam alguém específico que pudesse ajudar, não só na recuperação física, mas também na optimização da performance, na potenciação física”, refere.

Em Paris, Nuno Pina trabalha sobretudo na preparação física e tem a seu cargo cinco atletas nestes Jogos. Um deles, que merece atenção especial, é Pan Zhanle, com quem trabalha desde os 17 anos. “É o meu nadador principal. Com ele trabalho sempre à parte, chego às oito da manhã, faço uma hora e meia de trabalho com o Pan e uma hora e meia de trabalho com os restantes nadadores do meu grupo”, revela o português.

E como é trabalhar com um campeão olímpico e recordista do mundo? “É jovem, comecei a trabalhar com ele quando tinha 17 anos. É um rapaz muito humilde, carinhoso e muito humano, é uma pessoa de emoções, e daqueles atletas com quem dá gosto trabalhar. Tem aquela estrelinha”, diz Nuno Pina, descrevendo depois como foi a noite do ouro com recorde: “Foi surreal. Dizem que a piscina é lenta, que a vila olímpica é longe, que os transportes não são eficientes. Quando olhamos para o tempo dele, foi mágico.”

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