Cérebro dos atentados do 11 de Setembro declara-se culpado e pode evitar condenação à morte

Acusados quiseram trocar julgamento com pena de morte por sentença de prisão perpétua. Acordo teve como objectivo obter alguma “justiça” no caso.

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Atentados às Torres Gémeas, em Nova Iorque, no dia 11 de Setembro de 2001 SEAN ADAIR/REUTERS
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Khalid Sheikh Mohammed, que em 2007 confessou ser "responsável pelo 11 de Setembro de A a Z", e dois dos seus alegados cúmplices, todos capturados há mais de 20 anos e encerrados em Guantánamo desde 2006, aceitaram declarar-se culpados das acusações de conspiração e assassínio, assinando um acordo em que evitam a pena de morte e aceitam a prisão perpétua. O que também evitam é um julgamento, algo que muitos familiares das vítimas dos atentados de 2001 esperavam ver acontecer.

As confissões, que devem ser apresentadas já na próxima semana, em tribunal, vão permitir encerrar um processo kafkiano, depois de inúmeras comissões militares, audiências preliminares, julgamentos anunciados e admissões de culpa. “A decisão de celebrar um acordo pré-julgamento, após 12 anos de litígio, não foi tomada de ânimo leve; no entanto, julgamos, de forma colectiva, fundamentada e de boa-fé, que esta resolução é o melhor caminho para [obter] a justiça neste caso”, lê-se numa carta enviada pelos procuradores norte-americanos às famílias das vítimas e aos sobreviventes, antes de o Pentágono anunciar o acordo.

Khalid Sheikh Mohammed (KSM), um engenheiro que estudou nos Estados Unidos, é acusado de ser o mentor do plano para desviar aviões comerciais de passageiros e lançá-los contra o World Trade Center, em Nova Iorque, e contra o Pentágono. Os procuradores dizem que apresentou o plano a Osama bin Laden em 1996 e ajudou a treinar alguns dos homens que seguiam a bordo dos aviões. Os ataques do 11 de Setembro levaram Washington a declarar uma “guerra ao terrorismo” e a envolver-se no conflito no Afeganistão, uma guerra da qual só se retiraram duas décadas depois.

Segundo quatro memorandos do Departamento da Justiça dos EUA desclassificados em 2009, por decisão da Administração de Barack Obama, KSM foi alvo de waterboarding (simulação de afogamento) 183 vezes no primeiro mês de interrogatório nas prisões da CIA.

Tal como KSM, também Walid Bin Attash e Mustafa al-Hawsawi, acusados de envolvimento nos atentados e que vão agora declarar-se culpados, passaram três anos nestas prisões da CIA, ao abrigo do “Extraordinary Rendition and Detention Program” (“extraordinary rendition” designa o transporte de um suspeito de terrorismo do país onde foi capturado para um lugar secreto, onde a lei não se aplicaria), um programa desenhado pela agência norte-americana e que esteve em vigor entre 2002 e 2009, contando com a cumplicidade de 54 países.

Para além de waterboarding, a mais infame das “técnicas de interrogatório agressivas” (como eram chamadas durante a presidência de George W. Bush), KSM também foi sujeito a longos períodos de privação de sono – de acordo com um relatório apresentado em 2014 pelo Comité dos Serviços Secretos do Senado, passou sete dias e meio sem dormir com conhecimento do então director da CIA, Michael Hayden.

Envolvimento saudita

A tortura que sofreram os 119 suspeitos que passaram pelas prisões secretas antes de serem levados para Guantánamo (onde, ao todo, chegaram a estar 779 prisioneiros) – e o debate sobre que se as confissões seriam admissíveis em tribunal – ajuda a explicar que tão poucos tenham chegado a ser julgados e que KSM e os dois alegados co-conspiradores tenham visto o seu processo adiado durante anos. Num mundo real, “este é o acordo menos mau que poderia acontecer”, disse à CNN Peter Bergen (autor do livro The Osama bin Laden I Know).

“Pessoalmente, queria um julgamento”, afirmou Terry Strada, presidente de um dos grupos que representam as famílias das vítimas. “E eles simplesmente tiraram-me a justiça que eu esperava, um julgamento e a punição”, reagiu, citada pela Associated Press. As famílias têm 45 dias para apresentar perguntas que queiram fazer aos três acusados e que lhes serão colocadas numa audiência, até ao final do ano.

Num comunicado, Brett Eagleson, presidente da 9/11 Justice, outra organização que representa os sobreviventes e os familiares das vítimas, afirmou que as famílias estão “profundamente preocupadas com estes acordos”, temendo que impeçam a obtenção de mais informações sobre o envolvimento da Arábia Saudita nos atentados. Bin Laden e 14 dos 19 terroristas que desviaram os três aviões eram sauditas e muito se escreveu sobre a possibilidade de membros da família real da monarquia saudita – um aliado histórico dos EUA – terem colaborado no ataque.

O acordo também já foi duramente criticado por vários dirigentes do Partido Republicano, incluindo o seu líder no Senado, Mitch McConnell, que acusou a Administração do Presidente Joe Biden de “cobardia”, afirmando que “a única coisa pior do que negociar com terroristas é negociar com eles depois de estarem sob custódia".

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