Camila Rebelo não queria sair da piscina e chegou aos Jogos Olímpicos

Começou a nadar aos dois, a competir aos oito e foi campeã da Europa aos 21 anos, a idade com que chega aos seus primeiros Jogos. A estreia é esta quinta-feira.

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Camila Rebelo a treinar-se antes da sua participação nos Jogos Olímpicos de Paris HUGO DELGADO / LUSA
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Camila Rebelo é uma das duas nadadoras que estão em Paris a representar Portugal nos Jogos Olímpicos de 2024. E a única que vai mergulhar na piscina olímpica, já que Angélica André compete na prova de águas abertas. Uma presença que resulta do talento desta atleta natural de Vila Nova de Poiares, em Coimbra, mas também do muito trabalho e esforço da recordista nacional dos 200 metros costas.

Camila começou a nadar com apenas dois anos e a competição entrou na sua vida quando tinha oito. Desde muito nova que o seu dia-a-dia é pautado pela organização. Os treinos e a falta de tempo exigem-no.

O quotidiano de Camila é extenuante. Os dias começam às 5h45, ainda noite escura, e às 7h a atleta do clube Louzan Natação/EFAPEL já está no Centro Olímpico de Piscinas Municipais em Coimbra. Vão ser duas horas matinais dentro de água até à hora da sesta (quem se levanta tão cedo merece essa recompensa).

Ao meio-dia almoça. Ainda é cedo para a maioria das pessoas, mas para Camila já lá vão mais de seis horas desde o toque do despertador. Às 13h30 abrem-se as portas do ginásio. É hora de treinar fora de água. Às 15h segunda dose do dia para quem passa quase mais tempo dentro de água do que fora. O segredo (novo treino) repete-se, mas desta vez durante a tarde.

Às 17h, Camila diz adeus à piscina e marca novo encontro para o dia seguinte, novamente às 7h. Não dá para ter saudades. E às 18h esta estudante de medicina começa as aulas na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Estudos que vão durar até pelo menos às 20h, altura em que é hora de regressar a casa, na Lousã, a 1h30 de viagem de carro. Cansa só de ler.

Foi esta rotina que, feita e bem cumprida ao longo de tantos anos, teve o seu momento alto a 31 de Março de 2023, quando Camila decidiu rumar ao Open de Espanha para ter oportunidade de estar ao lado de atletas com tempos semelhantes ao seu. Em Portugal, a competição está longe de chegar ao tempo actual de Camila.

“Sendo eu uma pessoa competitiva, decidi que queria ir para outro sítio que puxasse mais por mim e tentar fazer o mínimo.”, explica a jovem nadadora.

Dois dias antes de alcançar a marca histórica dos 2m09,84s que a qualificou para a competição olímpica, Camila realizou a prova dos 100 metros costas que, segundo a própria, “correu muito mal”. Os seus dois treinadores, Gonçalo Neves e Vítor Ferreira, não a puderam acompanhar até Palma de Maiorca, em Espanha, e um táxi que era para ter aparecido mas não apareceu fizeram com que Camila tivesse de ir a correr e de autocarro para chegar a horas da competição. “Cheguei à piscina e faltavam 15 minutos para o período de aquecimento terminar. Nunca tinha aquecido tão rápido na minha vida, dentro e fora de água”, conta Camila.

Apesar dos imprevistos a portuguesa nadou os 200m costas em 2m09,84s, um novo recorde nacional e um bilhete para os Jogos Olímpicos.

Entre aquele dia de Março e esta quinta-feira Camila Rebelo conquistou um outro feito. Em Junho, em Belgrado, tornou-se campeã da Europa na distância. “Fui vivendo o momento e levando-o como se fosse único”, explica Camila referindo-se aos instantes em que alcançou o título continental e um novo recorde nacional de 2m08,95s.

Mas nem sempre correu tudo bem. O momento que está gravado na sua memória como “o mais triste até hoje” ocorreu num dos Mundiais de juniores em que participou. Depois de uma prova que “correu muito mal”, a frustração de não conseguir alcançar um bom resultado culminou num grande ataque de ansiedade.

“Ninguém sabia de mim, tinha ido para o posto médico. É um momento que guardo como aprendizagem, do género: isto não pode voltar a acontecer”, recorda. Este episódio representa uma fase que Camila apelida de bloqueio. “Eu treinava bem, estava a evoluir cada vez mais, mas chegava à prova e fazia cada vez pior”, explica. A preparação mental tornou-se essencial. “Eu percebi que não podia continuar a trabalhar apenas e só a parte física, tinha de treinar também a parte psicológica. Queria tratar a parte da ansiedade, não por aquilo que eu fazia, mas pelo que os outros iam pensar”, explica.

“Resiliente”, “focada” e “enraivecida”. É assim que Camila se descreve. Um dos seus treinadores, Gonçalo Neves, caracteriza-a como “lutadora, dedicada, persistente e ambiciosa”. Apelida-a de “pitbull” pelo seu forte instinto competitivo. Ele acompanha a atleta desde aquele primeiro dia em 2005 quando esta tinha apenas dois anos. A primeira memória de Camila dentro de água é com o seu treinador: “Lembro-me dele pegar em mim e percorrer a piscina de um lado ao outro debaixo de água.”. Um amigo do qual nunca conseguiu esconder o que estava a sentir, que sempre a levantou nos momentos mais difíceis e que a recorda, quando assim é preciso, que os pés são para estar bem assentes no chão. Excepto quando estão dentro da piscina.

Texto editado por Jorge Miguel Matias

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