Tommaso Protti: O inferno é verde e tem muita água

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Tommaso Protti
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O John Steinbeck tem uma frase que para mim se tornou mais verdadeira depois desta experiência na floresta de Darién. Não sei citá-la com precisão, mas diz qualquer coisa como: “Não somos nós que fazemos a viagem, é ela que nos leva.” A travessia deste território selvagem entre o norte da Colômbia e o sul do Panamá levou certamente uma parte de mim. Mesmo que eu não saiba dizer exactamente o quê, posso garantir que saí de lá diferente. Foi uma das experiências mais intensas da minha vida.

Agora, quando vejo ou oiço a expressão “inferno verde” associada ao Darién sei do que se fala, estive lá, vi em directo, umas vezes com medo, outras com espanto. Sei do que são capazes todos aqueles que se arriscam a percorrer os 100 quilómetros de uma das rotas de migrantes mais perigosas do mundo. Sei que, apesar do cansaço extremo, das dores, da fome, da sede, da violência, da chuva quase permanente, as pessoas continuam a caminhar, de mochilas às costas e filhos ao colo, como estas mulheres que vinha acompanhando há dias e que aqui fotografei mal cruzámos a fronteira com o Panamá.

Têm uma força, uma coragem e uma tenacidade incríveis, estas mulheres. A que vai à frente com o bebé de pouco mais de um ano é colombiana e viajava com o marido, o venezuelano César, e mais um filho de três anos.

Este foi um dos troços mais difíceis. A descida em direcção ao rio era muito íngreme e a chuva tinha transformado o terreno em lama muito espessa, quase barro. Avançávamos muito devagar e as crianças, sempre a chorar, tornavam ainda mais dramática a situação que já de si era caótica, desesperada. O cansaço era quase tão ameaçador como a natureza que parecia prestes a engolir-nos. E, apesar de tudo, o grupo continuava.

O estreito de Darién é uma das áreas mais húmidas e inóspitas do planeta, um muro de vegetação onde não entra, sequer, a pan-americana, a rodovia que atravessa todo o continente. Eu viajava com outra colega jornalista, Natalie Gallón, com o cineasta Fabrício Brambatti e o paramédico Adam Creighton, que durante muitos anos foi militar. Queríamos fazer um trabalho para uma nova plataforma de jornalismo de investigação, a Boom, e tínhamos lido muito sobre aquele território. Sabíamos o que poderíamos encontrar, mas isso não significa que estivéssemos preparados para fazer a viagem, muito menos com aquelas pessoas que, na maioria das vezes, não faziam ideia do que as esperava.

No ano passado estima-se que mais de meio milhão de pessoas tenha atravessado aquela selva, incluindo 100 mil crianças. Em 2022, os Médicos Sem Fronteiras trataram 232 sobreviventes de violência sexual, número que subiu para 462 com os casos registados entre Janeiro e Novembro de 2023. Em Abril deste ano, quando lá estive, havia rumores de que tinha sido violada uma menina de 12 anos.

Não se sabe quantos migrantes morrem por ano nesta rota, sobretudo vítimas de afogamento, mas encontrámos dois corpos abandonados no caminho, um deles perto do local de acampamento onde passámos a nossa sexta e última noite no Darién. Os migrantes que acompanhávamos não pararam.

Terminámos a viagem na comunidade indígena de Bajo Chiquito, já eu tinha perdido a conta às vezes que parei de fotografar para transportar crianças ou ajudar migrantes a transpor o rio, escondendo o meu próprio medo. Parte do equipamento terminou a viagem quebrado, como eu. O trabalho que fiz com os refugiados em Calais e na fronteira entre a Síria e a Turquia não me deixou assim, tão frágil e vulnerável.

Terminada a travessia, os migrantes tinham ainda quatro mil quilómetros pela frente até à fronteira com os Estados Unidos. Quantos conseguirão chegar não sei, mas acredito que quem atravessa o Darién está preparado para quase tudo.

Texto construído por Lucinda Canelas a partir de uma conversa com o fotógrafo e do artigo Maldito Darién: Diario de una travesía.

Tommaso Protti é um fotógrafo de 38 anos nascido em Itália e radicado no Brasil há quase uma década. Formado em Ciências Políticas e Relações Internacionais em Roma, estudou Fotojornalismo e Fotografia Documental em Londres, tendo vindo a trabalhar em projectos de longo prazo que envolvem temas como as migrações, o crime organizado e a crise ambiental. Terra Vermelha, um projecto em que documentou durante dez anos a desflorestação na Amazónia e todos os problemas sociais que acarreta, valeu-lhe o Prémio de Fotojornalismo Carmignac em 2019, a juntar a uma lista que inclui outros, de importantes concursos como o Pictures of the Year International (POYi) ou The American Photography Awards. Protti tem publicado em alguns dos jornais e revistas mais importantes do mundo, com destaque para The New Yorker, The New York Times, Time Magazine, National Geographic, Washington Post, Newsweek, Der Spiegel, Stern e The Guardian. É colaborador regular do Wall Street Journal e do Monde.

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