As caras da Palestina nos Jogos Olímpicos de Paris: “Não queremos pena, queremos o reconhecimento da nossa nação”
Oito atletas formam a missão olímpica palestiniana. “Não queremos pena, queremos o reconhecimento da nossa nação e daquilo que ela é capaz”, disse o director do Comité Olímpico da Palestina.
Houve dúvidas sobre a presença da Palestina e de Israel nos Jogos Olímpicos de 2024, quer pela eventualidade de sanções externas, quer pelas condições de participação, mas ambas as nações estão presentes em Paris.
França, o país organizador da edição dos Jogos Olímpicos de 2024, não reconhece o Estado da Palestina. Ainda assim, oito atletas estão em Paris a erguer a bandeira vermelha, preta, verde e branca: Mohammed Dwedar e Layla Al-Masri, nos 800 metros masculinos e femininos, respectivamente. Wasim Abusal, no boxe, Fares Badawi no judo, Jorge Antonio Salhe no tiro. Na natação, Yazan Al-Bawwab nos 100 metros costas, Valerie Tarazi nos 200 metros livres e, por fim, Omar Yaser Ismail no taekwondo. É esta a missão olímpica palestiniana.
Ismail é o único atleta directamente qualificado para Paris. Os restantes viajaram ao abrigo de um programa que permite que atletas de países menos desenvolvidos no âmbito desportivo compitam, mesmo não cumprindo com os critérios de qualificação gerais.
Na grande maioria das conversas com atletas olímpicos nesta temporada, a resposta sobre objectivos não varia muito. Umas vezes é uma posição, outras um tempo e, para os mais ambiciosos, o ouro. Não é o caso dos nadadores palestinianos Tarazi e Al-Bawwab. Para ambos, os Jogos Olímpicos são um sonho antigo mas, em Paris, pretendem "falar pelas pessoas que não podem", explicaram à NBC. Na mesma entrevista, Tarazi assumiu: "Não estamos aqui para competir por nós próprios ou para nos representarmos a nós mesmos. É muito maior que isso", disse, referindo-se à vontade de transmitir esperança aos que vivem em Gaza.
Tarazi faz parte da diáspora. Vive em Chicago com a família e, por isso, considera-se "uma das palestinianas mais sortudas do mundo, por não estar lá, mas uma das mais azaradas do mundo, porque não estou lá por não ser suficientemente seguro".
À BBC, Tarazi contou que quatro membros da família morreram quando uma igreja foi atingida por uma bomba israelita, em Dezembro. "E a minha dor não é absolutamente nada comparada àquela que as pessoas em Gaza sentem todos os dias", desabafou.
Al-Bawwbab, 24 anos, sente o mesmo. O atleta criou um projecto que pretende capacitar crianças da Palestina refugiadas com noções básicas de natação, principalmente para sobrevivência. "Estar nos Jogos não é só uma meta pessoal, mas uma forma de usar o desporto como ferramenta para mostrar ao mundo que também somos humanos. Também queremos praticar desporto", disse o atleta que tem família na Cisjordânia.
A frase de Al-Bawwbab lembra os conterrâneos que ficaram para trás. Uma prova disso é Tame Qaod, atleta do sprint de 1500 metros que representou a Palestina duas vezes. Este ano, foi impossível. A sua casa em Gaza foi destruída, já se viu forçado a uma mudança de localização por duas vezes e vive numa tenda. O seu treinador foi morto num ataque aéreo em Dezembro.
A Associação de Futebol da Palestina estima que, desde Outubro de 2023, mais de 182 atletas palestinianos foram mortos.
Wasim Abusal, atleta de boxe, não usou palavras. Optou por, na cerimónia de abertura dos Jogos, usar uma camisola com desenhos de aviões a lançarem bombas sobre crianças que jogavam futebol.
Também Nader Jayousi, director do Comité Olímpico Palestiniano, aproveitou para sublinhar à NBC a importância imensurável da presença destes oito atletas nos Jogos, não só pela eventualidade de inspirar jovens, mas principalmente pelo reforço da identidade da Palestina. "Não queremos pena, queremos o reconhecimento da nossa nação e daquilo que ela é capaz."
Nos primeiros passos em solo francês, no aeroporto Charles de Gaulle, a missão olímpica palestiniana foi recebida entre cânticos de pessoas que pediam uma "Palestina livre", um ambiente bastante díspar do sonho do Comité Olímpico organizador de separar a política dos Jogos Olímpicos.
Depois de vários pedidos da comunidade internacional para deixar Israel fora dos Jogos, exigências que cresciam com a ofensiva israelita em Gaza, o país anfitrião manteve-se neutro (posição relativamente diferente da adoptada com a Rússia).
A embaixada de Israel em Paris parabenizou a decisão. "Damos as boas-vindas aos Jogos Olímpicos e à nossa maravilhosa delegação em França. Também damos boas-vindas à participação de todas as delegações estrangeiras", lê-se na nota enviada à Associated Press.
Ainda assim, o público presente em Paris demonstra a sua opinião de forma barulhenta quando não concorda com a participação de uma nação (ou atleta, no caso do jogador de voleibol de praia dos Países Baixos condenado por violação).
Na quarta-feira à noite, 24 de Julho, Israel e Mali defrontaram-se num jogo de futebol para os Jogos Olímpicos e nem a presença em massa de forças de segurança impediu milhares de adeptos de vaiarem o hino israelita. O volume do sistema de som subiu.
Num outro momento, a 27 de Julho, Israel defrontou-se com o Paraguai, também na competição de futebol. Alguns adeptos ergueram faixas com mensagens como "Os Olímpicos do Genocídio", acompanhadas de bandeiras da Palestina.
Desde 8 de Outubro de 2023, morreram mais de 38 mil palestinianos em ataques israelitas.