Na Venezuela, a reeleição de Maduro foi uma “chapada” capaz de matar a esperança
Resultados das eleições presidenciais geraram desilusão e raiva entre portugueses na Venezuela e imigrantes venezuelanos em Portugal, que perdem a esperança numa mudança de regime.
Na madrugada desta segunda-feira, Simão Rocha não dormiu. Português a viver na Venezuela há 43 anos, conhece bem os contornos da política no país e sabia os desfechos possíveis das presidenciais deste domingo, mas mantinha alguma esperança. “Pensei que hoje ia celebrar o primeiro dia do resto da minha vida em democracia na Venezuela”, lamenta, desiludido com os resultados eleitorais.
Apesar de as sondagens apontarem para uma vitória expressiva da oposição, liderada por Edmundo González Urrutia, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), sob controlo chavista, anunciou na noite deste domingo a reeleição do Presidente Nicolás Maduro, com 51,2% dos votos (depois de contabilizados 80% dos boletins).
“Sinto muita raiva, muita impotência. Já esperava que o sistema não entregasse o poder, mas havia muita fé do povo da Venezuela”, conta Simão Rocha. Em Caracas, a partir de onde fala com o PÚBLICO, vai-se ouvindo um som estridente de tachos a bater vindo de muitas janelas e varandas — o protesto possível quando as forças armadas foram mobilizadas para reprimir manifestações nas ruas.
Alejandro Reyes-Lucero chegou a Portugal em 2017, depois de assistir a tentativas de sequestro de amigos, ver os pais ficarem sem emprego, “sentir que sair de casa era arriscar a própria vida”. Hoje com 29 anos, acompanha a milhares de quilómetros de distância as notícias que chegam de casa e que “doem muito”.
“Aqueles resultados são fabricados e são uma chapada para todos os venezuelanos”, diz, admitindo que os números não foram uma surpresa. “O que me preocupa é que as pessoas saiam à rua para contestar esses resultados e o Governo reprima as manifestações de forma violenta e existam mortes.”
Ao longo da última década, a Venezuela viu mais de 70% do PIB nacional ser destruído e assistiu à fuga de milhões de cidadãos para o estrangeiro. Foi o caso de Alejandro, que veio para Portugal com os pais; de Valeria Guevara, que chegou a Lisboa aos 16 anos; e de outros 7,7 milhões de venezuelanos espalhados por vários países.
Até há pouco tempo, Valeria Guevara não acreditava numa mudança no seu país, mas uma visita à Venezuela ao fim de oito anos em Portugal, há cerca de um mês, fê-la mudar de perspectiva. Esperança era a palavra contagiante repetida por todos.
“Eu e a minha família estávamos cheios de esperança. Por volta das 5h saíram os resultados e foi muito forte. Hoje está a ser um dia muito triste, muito pesado. Por alguma razão, senti que desta vez seria diferente”, confessa.
Esta segunda-feira conversou ao telefone com a mãe, ainda na Venezuela, que lhe falou na enorme tristeza com que o país acordou. “Também há quem diga que esta era só a primeira parte da luta e que temos de continuar a acreditar. Agora o mundo sabe o que acontece quando o resultado nas urnas não é o que o Governo esperava.”
Fernando Campos Topa, conselheiro das comunidades portuguesas na Venezuela, ouve todos os dias as frustrações e temores da população, razão pela qual é tão difícil acreditar nos números anunciados pelo CNE e numa vitória de Maduro.
Há poucos dias, também em entrevista ao PÚBLICO, Fernando Campos Topa ainda confiava nestas eleições para marcar “um ponto de inflexão” que chamasse de volta os que saíram da Venezuela nos últimos anos. Conhecido o desfecho, a previsão é agora oposta.
“Vamos voltar a assistir a um êxodo em massa. Há muita decepção e preocupação, as novas gerações vão continuar a emigrar”, considera, lembrando o que aconteceu na última década no país que conhece há 45 anos, governado pelo chavismo há mais de 25.
Quando a família de Alejandro Reyes-Lucero decidiu emigrar, deixaram para trás um Estado onde se cozinhava um futuro desastroso. Em Abril passado, quando o doutorando em Musicologia Histórica viajou para a Venezuela pela primeira vez desde 2017, encontrou, como temia, “um país quebrado a tentar ficar de pé”. Se na capital, Caracas, existia uma aparente normalidade, no interior do país era impossível ignorar a miséria em que caiu a economia.
De visita à casa da avó, em San Cristóbal, a poucos quilómetros da fronteira com a Colômbia, percebeu que não estavam garantidos serviços básicos como água, electricidade ou gás. “Chegávamos a ter só uma hora de água por dia ou a cada dois dias, é uma realidade muito precária que realça desigualdades sociais”, recorda. “Quem pode pagar, pode fazer face a essa realidade. Quem não pode, aguenta oito horas por dia sem electricidade.”
“Estas eleições eram um ponto de viragem para muitas pessoas. Sei de pelo menos duas, jovens adultos, que já tinham decidido emigrar caso o resultado fosse este”, diz. Para si, esta foi apenas a confirmação de que não quer regressar ao “regime antidemocrático” da Venezuela, liderado por “um autocrata e ditador”, Nicolás Maduro.