Podem acreditar na medalha, Gustavo Ribeiro também acredita

Gustavo Ribeiro vai representar Portugal na prova de street skate, nos Jogos Olímpicos. Antes de rumar a Paris, o PÚBLICO foi conhecer um dos melhores skaters do mundo.

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De tábua e rodas nos pés desde os cinco anos, Gustavo Ribeiro vai ter de esperar mais uns dias para competir nos Jogos Olímpicos de 2024, na prova de street skateboard, adiada para 29 de Julho, por causa da chuva em Paris.

Entre treinos e preparações, pouco antes de rumar a Paris, o jovem de 23 anos falou com o PÚBLICO. A azáfama esperada em vésperas de Jogos Olímpicos não parecia ainda ter afectado Gustavo Ribeiro, descontraído, no Skatepark de Monsanto, em Lisboa.

Ninguém passa por ali sem querer, talvez daí a tranquilidade. Só lá estão jovens a barrar obstáculos com cera, um hábito dos skaters para que haja menos aderência ao piso. Ouvem-se somente rodas a bater no chão e cumprimentos entre eles, inclusive com Gustavo, o que demonstra o sentimento de pequena comunidade que se cria à volta de uma paixão.

Gustavo Ribeiro tem 23 anos e é natural de Almada Teresa Pacheco Miranda
O skater vai representar Portugal nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 Teresa Pacheco Miranda
Mudou-se para Los Angeles, mas um dia espera voltar a Portugal e, talvez, abrir um restaurante Teresa Pacheco Miranda
Ele e o irmão gémeo, Gabriel, receberam um skate aos cinco anos. Desde aí não pararam Teresa Pacheco Miranda
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Gustavo Ribeiro tem 23 anos e é natural de Almada Teresa Pacheco Miranda

Gustavo descreve com carinho o momento que o ligou à modalidade. “Quando tinha quatro anos, o meu tio ofereceu-me um skate a mim e ao meu irmão gémeo no Natal. Nunca ninguém na minha família tinha andado de skate, nem sequer tinham interesse em andar. Desde esse momento, nunca mais parámos.” Prenda abençoada, já que Gustavo é o sétimo nome na lista do ranking mundial da World Skate, na qual já chegou a estar no terceiro lugar.

O irmão, Gabriel Ribeiro, também se manteve na modalidade, e é o 43.º na lista referente à prova de street. A partilha nunca os incomodou. Têm uma boa relação: nunca lutaram, raramente ficaram chateados um com o outro e não consideram haver rivalidade.

“Se um campeonato não me corria bem mas corria bem a ele, eu ficava felicíssimo por ele e já nem conseguia estar triste por mim. Sempre que estou em competição com ele, tenho mais motivação, ele tem mais motivação e conseguimos apoiar-nos muito um ao outro. Partilhar isto sempre foi uma mais-valia para nós”, conta Gustavo.

A prenda de Natal não demorou a transformar-se num objectivo de vida. Um ano depois já estava, com o irmão, no seu primeiro campeonato. Gabriel ganhou e Gustavo ficou em terceiro. A ideia de se profissionalizar só veio dez anos depois, aos 15. Com mais maturidade, tinha noção de que não se tratava de um sonho fácil. Na altura, nunca ninguém em Portugal tinha conseguido ser skater profissional. A falta de precedentes só o motivou mais. “Ouvia sempre que Portugal era um país pequeno, que não tinha muitas oportunidades. Então desde pequeno quis mostrar que essas pessoas todas estavam erradas e que não interessa de onde vens para fazeres aquilo que queres. Tens de correr.”

Cristiano Ronaldo não é skater, mas nem por isso a figura do internacional português deixou de ser uma alavanca para o sonho do jovem de Almada. “Ele veio da Madeira, uma ilha, que se calhar até tem menos oportunidades face ao continente, que já tem poucas. E ele conseguiu. Motivou-me sempre pensar nele e lembrar-me de que não, não há nenhum skater profissional em Portugal, mas eu e o meu irmão podemos ser os primeiros”, explicou.

Em Portugal, teve de ir buscar inspirações às modalidades do lado. Além-fronteiras, admirava Ryan Sheckler. Adora a ideia de "inspirar miúdos para que percebam que não é impossível".

A ida para Los Angeles, onde reside desde 2021, foi determinante para o seu percurso, conta. A decisão foi tomada de forma impulsiva, apesar de ter percebido cedo que o futuro teria de passar pelos Estados Unidos.

Desde os 13 anos, viajava para participar em campeonatos e voltava, mas sabia que um dia isso se tornaria incomportável. “A cultura do skate está lá, os skaters profissionais estão lá, as marcas estão todas lá”, por isso, em 2021, quando conseguiu o "work visa" (como lhe foge o estrangeirismo para "visto de trabalho"), não restavam dúvidas: tinha de partir.

Não foi sempre fácil, admitiu. Quando chegou, sentiu-se sozinho, tinha saudades da família, do irmão, mas varria o sentimento sempre que pensava “que os sacrifícios são necessários para chegarmos onde queremos”.

Para já, e durante os próximos anos, sabe que o futuro passa por lá, ou melhor, por LA, mas não esconde a vontade de voltar a Portugal. “Quando? Essa é a pergunta que a minha mãe me faz sempre”, diz, entre risos. “Não sei quando, mas quero voltar, é o país onde nasci. Só que, neste momento, em termos profissionais, faz sentido estar nos EUA mais uns anos.”

Na bagagem já tem o primeiro lugar do Tampa AM (o mais reconhecido campeonato de skate amador), em 2017. Em 2019, despediu-se das competições amadoras e tornou-se, finalmente, profissional. Em 2021, conseguiu o terceiro lugar no Super Crown World Championship e foi também a primeira vez que conseguiu nove pontos. Em 2022, um segundo lugar no Campeonato do Mundo de skate. Este ano, atingiu o sexto lugar na Olympic Qualifier Series, que lhe carimbou o passaporte para Paris 2o24.

Paris, contudo, não é a primeira experiência olímpica do skater. Gustavo Ribeiro já se estreou nos Jogos Olímpicos de 2020, disputados em 2021, em Tóquio. Foi nessa edição que o skate se estreou como modalidade olímpica. Mas as experiências (ou perspectiva delas) não podiam ser mais diferentes.

Em Tóquio, ficou assoberbado com o stress “dos treinos, das provas, do rankings, de dois anos de qualificação muito intensos”, até porque só entram três atletas por país. Sabe que isso o afectou e, como um mal nunca vem só, deslocou um ombro duas semanas antes de rumar à capital japonesa.

“Aliás, três dias antes de ir [para Tóquio] o meu médico não me queria dar alta porque, de facto, ainda não estava bem. Mas implorei muito e consegui ir, passei às finais, mas não consegui o resultado que queria”, contou ao PÚBLICO sobre a experiência que pretende vingar, apesar da oitava posição.

Paris traz mais pressão, mas isso não é mau, porque admite gostar de trabalhar, e até "trabalhar bastante bem sob pressão". Todavia, as expectativas são maiores. Já não está lesionado, o evento já não está condicionado pela covid-19 (como foram os Jogos de Tóquio), a modalidade já não é nova, o nível do skate evoluiu e, mais do que tudo, "vão estar muitos portugueses a ver e estou entusiasmado com a ideia de ter portugueses a gritar por mim", desejou.

Como muitas das novas modalidades, o skate sofre algum estigma. Antes da entrada da modalidade nos Jogos, "diziam que o skate não era um desporto, que o skater não era um atleta, que só estragávamos as ruas. Tóquio mudou isso", acredita.

Em Paris, "está toda a gente a olhar para ti". "Há campeonatos nos EUA que as pessoas só sabem que aconteceram depois de eu chegar ao pódio. Nos Jogos Olímpicos é diferente, sinto que há mais gente a ver, mesmo quem não percebe de skate vê por eu estar a representar Portugal", comenta, visivelmente entusiasmado.

Gustavo tem razão. Os portugueses não só sabem que o skater estará presente nos Jogos como também acreditam que é uma das esperanças para trazer uma medalha. E, podem estar descansados, também ele acredita: “Eu acho que consigo, os meus últimos resultados são prova disso, e foram três anos a preparar os Jogos Olímpicos.”

Não obstante, as expectativas para Tóquio também eram altas. Mas muita coisa mudou desde então. Quando saiu de Tóquio, "mudou o chip". Era altura de se focar como nunca, e, antes de explicar exactamente o que começou a fazer, falou daquela que, para si, foi a parte mais importante da mudança: “Como em todos os desportos, não basta andares de skate. Tens de treinar tudo, e eu acho que o meu lado mental estava em baixo em Tóquio. Podes treinar muito, mas, se não trabalhares bem a parte mental, podes ir abaixo no dia da competição."

Em LA, passa a maior parte do tempo no APC (Athlete Performance Center) da Red Bull, que o patrocina. Acorda às 7h30 para às 9h estar no ginásio. Depois, anda de skate a tarde toda. Vai duas vezes por semana ao nutricionista e ao psicólogo. Há tempo para outro Gustavo que não o skater? “Pouco”, admite. “Mas o que gosto mesmo de fazer é ir andar de skate, jogar golfe e cozinhar. Com isso já sou feliz”, brinca. Para já, o que interessa mesmo é estar sobre rodas. Um dia, “quem sabe, talvez abra um restaurante”.

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