A Skoola, uma academia de música “muito diferente”, dá bolsas para jovens criarem a “própria cultura”

A academia de música em Lisboa venceu a 4.ª edição do projeto Dream UP, do BNP Paribas, permitindo que a Skoola continue a conceder bolsas a alunos, independentemente das condições económicas.

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A Skoola, fundada em 2021, funciona no Village Underground, na Alcântara, em Lisboa Catarina Póvoa
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A Skoola, fundada em 2021, funciona no Village Underground, na Alcântara, em Lisboa Catarina Póvoa
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“Eu não consigo esquecer o dia em que a psicóloga da minha escola me disse que encontrou uma bolsa para uma escola de música. Fiquei maravilhado”, conta Daniel Matos. Com 15 anos, diz que a sua paixão é cantar e tocar bateria.

“Veio-me à cabeça uma frase que o meu tio me disse quando era mais novo: ‘Se estás a ver de uma janela para a rua, em vez de olhares para o que está a acontecer lá fora, porque é que não vais lá e fazes com que as coisas aconteçam?’’ Desde 2022, Daniel Matos é um dos bolseiros da Skoola, uma academia que permite a alunos entre os 10 e os 18 anos desenvolverem projectos musicais de acordo com os seus interesses. Os trabalhos são estruturados à volta da criação e da composição de música, assim como da produção musical e da performance.

“É muito diferente de uma escola tradicional. Os alunos passam por diferentes instrumentos e fases. São eles a desenvolver os projectos com base no que querem fazer e nas inspirações que têm”, explica Mariana Duarte Silva, directora da Skoola, ao PÚBLICO.

As actividades da academia são feitas durante ciclos de 10 semanas, no horário após as aulas, ou em bootcamps de cinco dias, durante as férias escolares. No final de cada ciclo, os "skoolers", como são chamados os participantes na academia, fazem um espectáculo de apresentação ao público. Os trabalhos desenvolvidos pelos alunos são acompanhados por facilitadores em diversas áreas, seja musical, artística ou pedagógica.

“O que nós queremos [com a Skoola] é que a cultura underground, feita pelos jovens sem as regras clássicas de criação cultural, seja valorizada. O acesso à cultura é um direito, mas o sistema está criado para que a cultura seja ‘alta’ e que esteja em instituições que não são acessíveis a toda a população. Por outro lado, a cultura underground é aquela que está na rua, que existe na boca, nos corpos e na vida destes jovens que querem fazer parte dela. Na Skoola, damos aos jovens a força e a capacidade para que criem a sua própria cultura”, explica a directora da academia.

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Os trabalhos são estruturados à volta da criação e da composição de música, assim como a produção musical e performance. Catarina Póvoa

Parte desta missão de levar cultura “ao maior número de jovens” para que possam “usufruir da prática cultural e musical independentemente das suas condições económicas” é precisamente fornecer bolsas a alunos como Daniel Matos. Para isto, a Skoola, uma associação sem fins lucrativos que começou como um projecto de “impacto social”, está sempre à procura de apoios, públicos ou privados, para continuar as suas actividades.

Foi precisamente nesta procura que a associação se candidatou ao projecto Dream UP, do banco BNP Paribas. Como vencedora da 4.ª edição, a Skoola beneficiará de um donativo anual de 20 mil euros durante os três anos da vigência do Dream UP. Para já, os fundos vão ser usados para criar mais uma turma de 15 alunos na academia, afirma Luciana Peres, directora de responsabilidade social da BNP Paribas em Portugal.

Daniel Matos diz que o impacto da Skoola na sua vida tem sido significativo. “Sem a música, antes de entrar aqui na escola, eu era daqueles miúdos mal-educados, ‘megamalcomportados'. Depois de entrar na academia, a minha mãe dizia-me que, se continuasse a portar-me mal, não ia poder continuar nas aulas. Olha, depois disso, tornei-me um santo e as minhas notas começaram a subir”, diz.

Numa palavra, a Skoola, para Daniel, é um “sonho”. “A primeira coisa que eu vi quando entrei, aquilo para onde não consegui parar de olhar, foi uma estátua que está sentada num contentor, como se fosse o senhor todo-poderoso da Skoola. Sempre que passo pela rua e a vejo, penso que vai ser um bom dia”, diz.

“O meu pai gosta que eu esteja cá porque aqui sou realmente eu”

A Skoola, fundada há três anos, funciona no Village Underground, em Alcântara. Inspirado pelo local do mesmo nome em Londres, o Village de Lisboa reúne contentores e autocarros pintados com graffiti para ser usados como espaços de coworking e salas de aula da Skoola. Foi precisamente este aspecto visual único que primeiro chamou a atenção a Beatriz Silva, 17 anos, que faz parte da academia há três anos. “Eu tenho uma irmã mais nova que toca violino. Quando ela foi para uma orquestra, pensei que eu também gostava de ir para uma escola de música. Falaram-me da Skoola e eu disse ‘Claro, posso tentar ir’. Quando entrei na academia pela primeira vez, disse: ‘Contentores? Isto não é normal.’ Eu diria que [o Village] é algo diferente, mas é divertido. Hoje, amo este lugar.”

“É como o ditado: não julgue um livro pela capa. Entras aqui pela primeira vez e pensas uma coisa, mas quando já estás aqui há muito tempo pensas numa outra. Cada espaço daqui é uma história diferente à espera de ser criada”, acrescenta.

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A estatua vermelha mencionada por Daniel Matos é uma obra de arte chamada Estúpido, do Robert Panda Catarina Póvoa

Na Skoola, Beatriz Silva gosta de fazer “um bocadinho de tudo”, mas especialmente de cantar e produzir música. “Uma vez fiz um beat para um espectáculo, uma música de reggaeton. Tive de cantar em espanhol e foi fixe, apesar de me ter dado vergonha. Também gosto muito dos bootcamps, fazer um concerto em cinco dias é megadifícil, mas eu gosto de ser desafiada”, conta.

Beatriz Silva está prestes a atingir a maioridade, mas espera conseguir continuar na escola, “nem que seja como facilitadora”. “Todo o mundo me diz a mesma coisa: ‘Sem música, não és a Bia.' A música é a minha melhor amiga. O meu pai gosta que eu esteja cá porque aqui sou realmente eu”, acrescenta.

A directora afirma que, após a saída da academia, “não há preocupação” em que os alunos sigam uma carreira artística.

“O que nos interessa é o tempo que eles passam aqui, o tempo que eles têm para se autodescobrir. Quando saem da Skoola, acho que eles levam a sensação de que podem fazer mais do que aquilo que lhes é imposto. Muitos jovens acreditam que não podem ter uma vida artística além da família, da escola e dos amigos. Eles saem daqui com um sentimento de pertença, de confiança, de auto-estima”, diz Mariana Duarte Silva.

Beatriz Silva e Daniel Matos são dois dos bolseiros da Skoola Catarina Póvoa
Beatriz Silva, Mariana Duarte Silva e Daniel Matos Catarina Póvoa
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Beatriz Silva e Daniel Matos são dois dos bolseiros da Skoola Catarina Póvoa

Editado por Renata Monteiro

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