Festival de Velocidade de Goodwood: a montra preferida dos petrolheads está cada vez mais eléctrica

Goodwood, no cenário salpicado pelas colinas de West Sussex, Inglaterra, ainda não renega os combustíveis fósseis, mas começa a ser palco de estreias 100% eléctricas.

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Nos 100 anos da MG, o novo Cyberster surgiu numa enorme escultura central, tornando-se o primeiro eléctrico a ser incluído na icónica escultura de Goodwood Bob McCaffrey/Getty Images
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A mítica do Festival de Velocidade de Goodwood não se explica sem o fumo no ar, o cheiro intenso a gasolina (alguns dirão perfume) ou os roncos (música para os ouvidos, dirão outros), que compõem uma orquestra descoordenada, ainda que rítmica. Não à toa, é um dos destinos preferidos (ou simplesmente na lista de desejos) dos petrolheads, aficionados por automóveis, que olham para este meio de transporte como algo mais do que ir de um ponto a outro. Mas também de quem aprecia o conceito de gentleman driver, que, não obcecado pelos resultados, tira proveito das emoções ao longo de toda a prova.

No entanto, apesar de o ambiente de Goodwood continuar a ser marcado por tudo o que foi referido antes, o paradigma está a mudar, adaptando-se às exigências que a mobilidade de hoje traz, e que está a conduzir a indústria a uma electrificação em massa. Por isso, não é de estranhar que, nesta última edição, as estrelas (também) tenham sido eléctricas. E até foi um eléctrico a conquistar a Rampa de Goodwood, uma corrida curta e de sentido único, que sobe uma pequena colina na propriedade.

É certo que a ideia assenta mais em passar bons momentos do que em ganhar, mas na última edição, que decorreu na segunda semana deste mês, houve dois modelos que se destacaram e que, numa curiosidade, parecem representar dois mundos: o “Project Midnight” da Subaru, um WRX fortemente modificado com um motor térmico de quatro cilindros a debitar 670cv, e a SuperVan da Ford, um E-Transit com profundas alterações, a debitar 1400cv.

Na qualificação, os dois veículos pareceram equiparados, com a SuperVan a vencer o Subaru por apenas um décimo de segundo, mas os resultados finais colocaram o modelo eléctrico bem à frente do Subaru, com uma vantagem de 2,09 segundos. Ponto ganho pelo mundo eléctrico em Goodwood que voltou a se destacar com a MG.

Emoção eléctrica

A história da MG entrelaça-se com os desígnios britânicos. E, ainda que hoje seja 100% chinesa, os genes ingleses do ADN do emblema parecem estar de pedra e cal. Assim, escolheu Goodwood como palco para celebrar o seu centenário, e em estilo, com a abertura do evento a ser marcada pela chegada do duque de Richmond a conduzir o MG C-Type do seu avô.

O automóvel, que competiu no Brooklands Double Twelve Motorsport Festival, em 1931, liderou uma caravana de modelos históricos do emblema, entre os quais esteve presente também o futuro da marca, na forma do novo MG Cyberster, que celebra o legado da MG no segmento dos roadsters e que deverá começar a chegar aos mercados ainda este ano, surgindo numa enorme escultura central e tornando-se o primeiro eléctrico a ser incluído na icónica escultura de Goodwood.

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Porsche Macan EV dr

A importância de Goodwood para a mobilidade eléctrica também se explica pelos modelos que escolhem este palco para se estrearem em solo britânico, mercado que já não se mescla com o da União Europeia. Foi o caso do Porsche Macan EV, versão 100% eléctrica do best-seller da marca, assente numa nova plataforma, PPE, e totalmente novo.

É certo que o modelo já se tinha deixado espreitar em alguns mercados, mas no Reino Unido foi a primeira vez, sendo Goodwood um palco que parece encaixar como uma luva nos objectivos da Porsche. “O Festival de Goodwood é uma excelente oportunidade para mostrar que estamos comprometidos com o futuro do automóvel sem negligenciar o passado”, declara ao PÚBLICO Nuno Costa, director de Marketing da Porsche Portugal. É que, explica, se “a Porsche está comprometida com a sua estratégia de sustentabilidade para 2030”, o objectivo passa também por “ter uma oferta de desportivos que cumpra as necessidades do mercado”.

Ou seja, sublinha o responsável, há a confiança de que “essa oferta passará tanto por automóveis a combustão, como híbridos ou eléctricos”, acrescentando que “passará também pelo desenvolvimento de combustões sintéticos que nos ajudaram a manter os automóveis que vimos a construir há mais de 75 anos”, e que se mantêm como o chamariz para o festival britânico.

É nesse compromisso, entre preservar a emoção do passado e a sustentabilidade que o futuro exige, que se apresentou o A290, o hot hatch da Alpine, subsidiária da Renault, que, depois da estreia mundial em Les Mans (ou não houvesse genes franceses visíveis por todo o modelo), se foi pavonear a Goodwood. “Temos de deixar de olhar para o carro eléctrico apenas como uma opção racional, com vantagens para o ambiente e com baixos custos de utilização e começar a vê-lo como um divertimento, capaz de também transmitir emoção”, expõe o director de Comunicação da Renault Portugal, Hugo Barbosa, ao PÚBLICO. Nessa perspectiva, a Alpine, apresentada como uma marca “nascida das corridas e feita por pilotos para pilotos de coração”, encontra em Goodwood o “seu habitat natural”, recordando que o mercado britânico é aquele onde a paixão automóvel continua a fazer muito sentido.

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Alpine A290 dr

A quebrar recordes

Nessa paixão também há veículos que, tal como os MG, mesmo tendo deixado de ser britânicos, conservam uma aura que desfruta de um carinho especial em terras de sua majestade, como a Mini, que aproveitou Goodwood para dar visibilidade ao John Cooper Works E PROtotype, o primeiro modelo eléctrico da Mini John Cooper Works.

Mas também há novas peças no tabuleiro que decidiram aproveitar o festival para se afirmarem. Casos da Polestar, que levou o Concept BST, que, com linhas agressivas, sugere que a visão do braço premium eléctrico da Volvo venha a tornar-se, no futuro, mais orientado para o desempenho, ou da chinesa BYD que marcou presença com o Yangwang U9, um hipercarro eléctrico a desenvolver mais de 1250cv de potência, que reclama prestações de 2,3 segundos de 0 a 100 km/h e uma velocidade máxima de mais de 300 km/h e diz ser capaz de fazer bunny hop, ou seja de realizar saltos.

Outro portento a electricidade a exibir-se em Goodwood foi o Lotus Evija X, hipercarro de 2000cv — mas apenas durante alguns segundos. O Lotus Evija X, versão ainda mais apimentada da produzida em série e destinada a quebrar recordes, acabou por se despistar assim que saiu da linha de partida. Tudo porque, explicou a marca, o controlo de tracção estava desligado, permitindo o envio instantâneo do binário máximo, de mais de 1700 Nm: e o carro acabou de nariz enfiado nos molhos de feno.

Um recorde pelo menos já quebrou: terá sido o automóvel a ter um acidente mais perto da linha de partida. Mas o infortúnio também acabaria por servir para uma coisa: para comprovar que, mesmo sem fumo nem barulho, a electricidade é só mais uma fonte de energia. Os imprevistos continuam a fazer parte do jogo e, com eles, uma boa dose de emoção — que provavelmente só um petrolhead compreende.

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