É Uma Esplanada: um segredo no Chiado que é um projecto de integração social

O quarto projecto de restauração da associação Crescer, para formação e integração de pessoas em situação de sem abrigo, foi relançado com nova carta e aposta em eventos. Mas há mais novidades.

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É Uma Esplanada, projecto da associação Crescer, reabriu este mês no Chiado (Lisboa) DR
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À esplanada que lhe inspirou o nome dá-se logo por ela, a um canto do Largo Trindade Coelho, em Lisboa, zona de fronteira entre o Chiado e o Bairro Alto. Mas aquele que tem sido o seu principal desafio pode bem vir a tornar-se a grande virtude deste espaço da associação Crescer, que não é novo mas renasce agora com outro vigor e uma nova carta: de tão escondido, com acesso pelo interior do Museu de São Roque ou pela porta à direita da esplanada (e depois pela da esquerda), a sala interior e, sobretudo, o claustro do antigo convento prometem um bálsamo de tranquilidade a quem queira fugir do bulício turístico do centro da cidade.

A carta é nova, lançada na semana passada, mas o conceito do É Uma Esplanada mantém-se à base de refeições leves e pastelaria caseira, confeccionada e servida pelos formandos da Crescer: pessoas que estão ou estiveram em situação de sem abrigo, refugiados e requerentes de asilo que, depois da componente teórica na escola de hotelaria, fazem um estágio num dos espaços de restauração da associação para receberem formação on the job junto de chefs e outros profissionais do sector.

No menu, idealizado por Nuno Bergonse, chef consultor de todos os projectos gastronómicos da Crescer, destacam-se as propostas de brunch, como os ovos Benedict, tostas, croissants e panquecas (à la carte ou num menu de 16€); petiscos como bolinhos de bacalhau, chamuças, cornetos de salmão fumado com beterraba, ou tábuas de queijos e enchidos; e refeições leves, entre saladas, um hambúrguer de novilho e a tosta de frango. Já nas bebidas, uma aposta segura nos sumos naturais, cafetaria, cerveja, sangria, vinhos e cocktails, para ir acompanhando os diferentes momentos do dia e de uma carta sempre disponível das 10h às 19h (excepto domingos e segundas).

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O conceito é o mesmo, mas a carta foi renovada DR

Quatro espaços num ano

Aberta ao largo, a esplanada acaba por enfrentar a concorrência infinita desta zona de Lisboa e, lá dentro, só chega quem sabe o que procurar: uma sala virada inteiramente ao pátio interior, com sombreamento, um pequeno lago, e plantas exóticas. Como é que se atrai clientes ao restaurante-cafetaria de um museu? Tem sido “um desafio enorme”, confessa Américo Nave, director executivo da Crescer.

Mas, sobretudo, o É Uma Esplanada, inaugurado no final de 2022, acabou por sofrer as dores de crescimento – e do sucesso – do projecto de restauração que a associação lançou em 2019 com o É Um Restaurante, o primeiro de cinco (em breve seis) espaços de refeições, abertos sempre com os mesmos “dois grandes objectivos”: por um lado, “integrar pessoas que vêm de uma situação de maior vulnerabilidade social na comunidade, no mercado de trabalho e que ganhem autonomia”; por outro, contribuir para a viabilidade económica “de uma organização não-governamental e sem fins lucrativos”.

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A esplanada do claustro é um refúgio em plena cidade DR

Só naquele ano, embalados pelo recuar da pandemia, reabriram o É Um Restaurante, na Rua de São José, com nova decoração; lançaram o É Um Almoço, dentro do edifício da Ageas e de acesso exclusivo aos trabalhadores da empresa (“É a nossa maior operação, servimos 250 almoços todos os dias”); o É Uma Mesa, no Bairro Padre Cruz, primeiro mais virado a pizzaria e hoje o centro de operações do serviço de catering para eventos; e, no final do ano, o É Uma Esplanada, a convite da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, proprietária do edifício e parceira do projecto (“Compromete-se em resolver toda a questão da saúde oral aos formandos”).

“Nós somos uma IPSS. A maior parte das pessoas [na equipa] é psicóloga, assistente social, enfermeira, médica, … Trabalhamos na área social e, às tantas, aceitámos os desafios, queremos ajudar as pessoas.” Mas, depois, faltou capacidade de resposta. “Nunca sentimos que estávamos a fazer o serviço que gostávamos de dar aqui e, portanto, preferimos esperar”, conta o responsável. “Temos vindo a melhorar o processo e agora estamos mais confiantes para divulgar e lançar.”

Um festival e um restaurante que são Um Encontro na Amadora

O objectivo agora é "parar" a abertura de novos espaços, depois de terem lançado, em 2023, o É Uma Copa no interior do edifício da Cofidis, e do próximo projecto na Amadora, um desafio do município a que "não conseguiram dizer que não", embora já estejam a recusar outros.

De 13 a 15 de Setembro, o É Um Encontro nasce como festival de gastronomia em pleno Parque Central da Amadora, com o objectivo de “juntar as pessoas que estão em situação de maior carência económica e social” com chefs de renome no país (alguns dos quais já colaboraram nos micro eventos da iniciativa É Um Convite) para apresentarem “pratos em conjunto”. “Temos financiamento europeu em 2024 e 2025, mas o desafio que nos é colocado é que depois o festival se mantenha autonomamente, e estamos também a tentar trabalhar com empresas e marcas que queiram estar connosco.”

Depois, se tudo correr como previsto, daqui a um ano estará a surgir o restaurante, com o mesmo nome, localizado junto ao parque, num “edifício de oito andares que está neste momento semi abandonado” e onde vão “iniciar agora as obras”. “Vai ter como base uma pizzaria, com forno a lenha, mas depois também um leque de pratos de diferentes origens do mundo”, revela o responsável. “Aberto ao público, vai ser o espaço com maior capacidade, para 100 pessoas.”

Segundo Américo Nave, neste momento “perto de 100 pessoas” entram, por ano, nesta formação criada em parceria com o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). Estão um mês na Escola de Hotelaria do Estoril, depois “15 dias com os nossos psicólogos numa acção de trabalho em equipa, sobre como se apresentar, se relacionar no local de trabalho”. De seguida, “estão quatro ou seis meses on the job” e, ao fim desse tempo, o objectivo é que “integrem o mercado de trabalho”, numa nova experiência profissional. Ao longo de todo o percurso, “são acompanhados por técnicos, psicólogos, assistentes sociais”.

Apesar de existirem “várias pessoas que desistem aos primeiros dias”, cerca de 50% das pessoas que chegam ao final da formação são integradas no mercado de trabalho, sublinha.

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