Pensar feminino

Ouça este artigo
00:00
04:10

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

1. Das notícias: “Kika Nazareth é reforço do Barcelona. A internacional portuguesa, de 21 anos, vai cumprir a primeira experiência no estrangeiro e integrar o plantel do clube que conquistou as últimas duas edições da Liga dos Campeões feminina”; “Kika, de 21 anos, vai alinhar numa das maiores potências do futebol feminino - com contrato até 2028 - e torna-se a transferência mais cara do futebol português, ao render 500 mil euros ao Benfica”. “Telma Encarnação vai deixar o Marítimo e rumar ao Sporting. Os ‘leões’ vão pagar 180 mil euros ao clube da Madeira.” “Telma, internacional portuguesa de 22 anos, optou pelo Sporting, recusando uma oferta superior de um clube estrangeiro e também o interesse do Benfica.”

2. Esta é a nova realidade do futebol em Portugal: a mulher como praticante desportista profissional, até de alto nível, para ela havendo que pensar respostas especiais, a começar pela revisão da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, sobre o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação. Este regime não está pensado para a praticante mulher em tudo aquilo que lhe é específico.

3. Tal não é a situação vivida actualmente em Espanha. Também o ordenamento jurídico-desportivo espanhol conta com um diploma próprio a regular especialmente o segmento laboral dos praticantes desportivos profissionais. Trata-se, no caso, do Real Decreto 1006/1985, de 26 de Junho.

Ora, bem recentemente, o Congreso de los Diputados deu “luz verde” à reforma desse diploma, em nome da igualdade entre homens e mulheres.

4. O articulado agora aprovado - que ainda tem de ser aprovado pelo Senado espanhol - exprime-se em aditamentos ao já referido diploma de 1985. Ofereçamos alguns exemplos, de um conjunto de artigos que se movem nas questões da gravidez, amamentação e conciliação com a vida familiar.

Um novo Artículo 6 bis vem ditar: em caso de gravidez, ou de processo de adopção, neste último caso aprovada a resolução e o atestado de idoneidade, as pessoas e os desportistas profissionais terão o direito de prorrogar o contrato por um ano, prorrogando-o automaticamente quando for o último ano de contrato. As pessoas desportivas profissionais poderão desistir da renovação contratual.

5. Outro exemplo, Artículo 7 bis: as pessoas desportistas profissionais gozarão dos direitos de conciliação [vida familiar com a profissional], incluindo as licenças previstas legalmente, sem prejuízo da adaptação à especificidade da sua profissão, de modo a facilitar a continuidade na disciplina da equipa, incluindo o tempo da gravidez no caso das mulheres desportistas e o compatibilizar do treino com a atenção ao menor, incluindo as deslocações.

6. Um terceiro exemplo no Artículo 10 bis: as pessoas desportistas profissionais terão as licenças previstas na lei e nos convénios colectivos para atendimento ao menor nas visitas médicas e actos escolares.

7. Ao nível regulamentar, na modalidade futebol, com base na FIFA, já contamos na Federação Portuguesa de Futebol com normativos desta natureza. Assim, é bom ter presente o Estatuto, Categoria, Inscrição e Transferência de Jogadores e algumas das suas normas como, por exemplo, a que consagra os direitos da jogadora grávida (artigo 43.º), o período de amamentação (artigo 44.º), a saúde menstrual ( artigo 44.º-B) e ainda o artigo 41.º, que agora se transcreve: “1. Caso um clube resolva, unilateralmente, o contrato de trabalho desportivo de uma jogadora tendo como fundamento o facto de esta estar grávida ou vir a engravidar, estar em licença de maternidade ou ter exercido quaisquer direitos de maternidade legalmente previstos, considera-se que o clube o fez sem justa causa.” Completa o n.º 2: “Presume-se, salvo prova em contrário, que a resolução unilateral de um contrato por um clube durante a gravidez, licença parental, de adopção ou licença de maternidade de uma jogadora ocorreu como resultado de esta estar grávida, em licença parental, de adopção ou em licença de maternidade.”

8. Continuemos a pensar e, se não for o caso, aproveite-se bem quem pensa por nós. Votos de férias pensantes.

josemeirim@gmail.com

Sugerir correcção
Comentar