“Façam as malas já.” Imigração domina convenção republicana com apelos a deportações em massa

Sem dados para comprová-lo, republicanos tentam relacionar fenómeno da imigração ilegal com a subida do custo da habitação, a criminalidade e suspeitas de fraude eleitoral.

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Cartazes a apelar a deportações em massa foram distribuídos na quarta-feira pelos delegados e apoiantes presentes na convenção republicana Jeenah Moon / REUTERS
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“Deportação em massa já”. À terceira noite da convenção republicana em Milwaukee, na quarta-feira, os cartazes a apelar à remoção em massa de imigrantes em situação irregular nos Estados Unidos começaram a ser distribuídos nas galerias do pavilhão Fiserv, inundando depois a arena. E ali dentro, pela terceira noite consecutiva, o combate à imigração ilegal voltou a pontuar ou mesmo dominar a maioria das intervenções ouvidas na reunião dos republicanos.

“Tenho uma mensagem para os milhões de imigrantes ilegais que Joe Biden soltou no nosso país, em violação da lei federal: é melhor começarem já a fazer as malas”, disse Thomas Homan, antigo director interino do ICE, o serviço norte-americano de controlo de alfândegas e imigração. Entre Janeiro de 2017 e Junho de 2018, durante a Administração Trump, Homan foi responsável por uma política de tolerância zero nas fronteiras norte-americanas, que incluiu a retirada de crianças a pais apanhados a entrar ilegalmente no país. Na altura, o Governo admitiu ter perdido o rasto a mais de um milhar de menores, depois de estes terem sido temporariamente acolhidos em lares ou famílias.

Agora, a campanha de Donald Trump promete retomar a linha dura revertida pela Administração Biden e deportar "milhões" de pessoas em situação irregular, mover milhares de militares que estão actualmente em missão no exterior para a fronteira com o México e cortar o financiamento federal às chamadas "cidades santuário", onde as autoridades locais têm recusado colaborar na identificação e detenção de estrangeiros em situação ilegal.

Os últimos dados oficiais compilados pelo Pew Research Center, que datam já de 2021, apontavam para a presença de 10 milhões de imigrantes indocumentados nos Estados Unidos, dos quais 39% eram oriundos do México e cerca de 20% de El Salvador, Honduras e Guatemala. Posteriormente, o Departamento de Segurança Interna registou cerca de sete milhões de entradas irregulares até 2023, número que não corresponde necessariamente a situações de permanência no país. Sem dados oficiais actualizados, um número repetido dentro e fora da convenção pelos republicanos é de 20 milhões de pessoas a viver irregularmente nos EUA, cuja população total era de 334 milhões de pessoas em 2023.

Mais de um quarto (27%) do eleitorado considera a imigração como a sua maior preocupação em ano de presidenciais, segundo uma pesquisa da Gallup publicada em Abril. Entre os republicanos, a percentagem subia para 48%, enquanto apenas 8% dos democratas e 25% dos republicanos considerava a questão prioritária. Em Milwaukee, o partido de Trump tem tentado alargar essas percentagens ao relacionar o tema com outros dossiês caros ao eleitorado: o crime e a inflação.

Na noite de quarta-feira, no primeiro discurso como candidato a vice-presidente, J.D. Vance relacionou a "competição" representada por "milhões" de pessoas em situação irregular no país com a subida dos preços da habitação. Outros, como o governador texano Greg Abbott, que prometeu continuar a enviar imigrantes ilegais interceptados na fronteira para Nova Iorque e Chicago, para penalizar cidades e estados governados pelos democratas, referiram vítimas de crimes cometidos por pessoas indocumentadas como Jocelyn Nungaray, uma menina de 12 anos presumivelmente violada e assassinada em Houston, em Junho, por dois cidadãos venezuelanos.

Para além de dirigentes e candidatos republicanos, a convenção deu palco a "cidadãos comuns" para reforçar a mensagem, como Jim Chilton, proprietário de um rancho na fronteira entre o Arizona e o México que diz ter filmado "mais de 3500 traficantes de droga" a atravessar os seus terrenos "desde que Joe Biden tomou posse". Para além de Biden, a quem se omite as recentes medidas de limitação de pedidos de asilo ou a tentativa de um acordo sobre a imigração no Congresso sabotada por Trump, também a vice-presidente Kamala Harris, referida repetidamente como "czar da fronteira" em Milwaukee, é responsabilizada pessoalmente pelo que os republicanos descrevem como uma "crise" no Sul do país, precavendo também assim a possibilidade de a antiga procuradora da Califórnia vir a encabeçar a candidatura presidencial democrata.

Outro vínculo repetido na convenção: a ideia de que os democratas estarão a permitir a entrada de estrangeiros em situação irregular que, posteriormente, votam nos seus candidatos nas eleições. Não existem dados que confirmem esta alegação. Tal como a relação entre imigração e criminalidade é contrária à argumentada pelos republicanos. Um estudo recente da Universidade Northwestern conclui que os imigrantes têm uma probabilidade 60% menor do que os cidadãos norte-americanos de serem encarcerados por um crime, e que a taxa foi sempre menor ao longo de 150 anos de dados disponíveis sobre a matéria.

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