Faltam camas e médicos: cobertura de cuidados paliativos está “abaixo do aceitável”

Estudo do Observatório Português de Cuidados Paliativos indica que “a alocação de recursos humanos continua deficitária” e aponta ainda a escassez de psicólogos, fisioterapeutas e assistentes sociais.

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Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de Alcobaça Adriano Miranda
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A radiografia feita pelo Observatório Português de Cuidados Paliativos põe a nu as deficiências da rede nacional. Aponta para “uma cobertura abaixo do aceitável", "profundas assimetrias a nível distrital” e "alocação de recursos humanos deficitária".

Chama-se Relatório de Outono 2023 este documento coordenado por Manuel Luís Capelas e Tânia Afonso. Apresenta dados referentes a 31 de Dezembro de 2022, por comparação com 31 de Dezembro de 2018. E data de Junho de 2024.

Portugal continua longe de alcançar os números recomendados pela Associação Europeia de Cuidados Paliativos. O ideal seria dispor de 793 camas (90 por cada milhão de habitantes) para aliviar o sofrimento de quem é portador de uma doença e de quem está no fim da vida e dos respectivos familiares e cuidadores. O país contava apenas, porém, com 423 camas, o que representava uma taxa de cobertura nacional de 53%.

O relatório escancara as já conhecidas assimetrias regionais persistentes no país. Viana do Castelo devia ter 18 camas e tinha uma taxa de cobertura de 0%. Já Bragança (12), Castelo Branco (20) e Coimbra (36) ultrapassavam os 100%.

Quando o critério de análise são as tipologias, a carência também difere. Em Portugal, existiam 172 camas de agudos e 251 camas de não-agudos. Atendendo às necessidades, tal significa uma taxa de cobertura de 72% nos agudos e de 45% nos não-agudos.

Comparando 31 de Dezembro de 2022 com 31 de Dezembro de 2018, o aumento de camas fica-se pelos 39. São 13 camas para agudos e 26 para não agudos, o que mantém o país bem longe das metas nacionais e internacionais.

Da rede nacional também faziam parte 48 equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos. Neste caso, seriam necessárias 51, o que quer dizer que a taxa de cobertura estrutural atinge os 94%. O problema era Beja, ainda sem qualquer equipa, e Açores, apenas uma de três tidas como necessárias.

No que diz respeito às equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos, o recomendado são 64 (54 no território continental e 10 no insular). Na prática, havia 33 (30 no continente e três nas regiões autónomas).

Tendo em conta o número total, poder-se-á falar numa taxa de cobertura de 53,5% da população adulta. Só que há duas equipas que atendem apenas doentes oncológicos assistidos na instituição em que trabalham: o IPO do Porto e o IPO de Lisboa. Castelo Branco, Leiria e Portalegre continuam sem equipa. Beja, Bragança, Évora, Faro, Guarda, Viana do Castelo e Viseu têm cobertura superior a 100%.

Faltam psicólogos e assistentes sociais

Para aprofundar o conhecimento sobre esta realidade, a equipa coordenada por Manuel Luís Capelas e Tânia Afonso​ procurou perceber quantos profissionais trabalham na rede, de que áreas e quanto tempo. Responderam-lhe 39 (de um total de 127) equipas e serviços de serviços paliativos. Não é uma amostra representativa, mas permite ter uma ideia do que se passa.

Os investigadores apuraram que todas as equipas ou serviços destinados a adultos dispunham de médicos e enfermeiros. Mas nem todas tinham psicólogos (30 têm), assistentes sociais (30), farmacêuticos (14), fisioterapeuta (seis). Comparando com 2018, os autores do relatório não notam alterações relevantes.

Também aferiram que 94% das equipas tinham, pelo menos, um enfermeiro a tempo inteiro e 36% com pelo menos um médico a tempo inteiro. E praticamente não há profissionais da psicologia e do serviço social a 100%. “Fica posto em causa o nível de diferenciação dos cuidados a que a população acede”, salientam.

No dia-a-dia daqueles serviços, “existe o equivalente a 41 médicos(as) quando deveriam existir 96; a 116 enfermeiros(as) quando deveriam existir 378; a nove psicólogos(as) quando deveria haver 39 e a nove assistentes sociais quando deveria haver 38”, lê-se. “A rede nacional de serviços especializados existente presta, sobretudo, cuidados paliativos com nível de diferenciação generalista.”

Nas equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos pediátricos, o cenário é pior. Há uma em Coimbra, duas em Lisboa e três no Porto, tudo como está previsto no Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos. E “nenhuma apresenta os requisitos mínimos para o seu funcionamento”.

Conclusão: “Preocupante é a manutenção dos tempos de alocação dos diferentes profissionais, nas diferentes tipologias destes recursos, consideravelmente abaixo do que é preconizado a nível internacional."

Mas os alertas não se esgotam aqui. O relatório aponta como "ainda mais preocupante" que a Comissão Nacional de Cuidados Paliativos permita a abertura e o funcionamento destes cuidados paliativos mesmo quando estes não cumprem os requisitos mínimos definidos no seu próprio plano estratégico.

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