Trump na Convenção Republicana: “Um diabo veio à Pensilvânia, mas um leão pôs-se de pé e rugiu”
Apoiantes do republicano saudaram o seu líder, já oficializado como candidato às presidenciais, após discursos marcados por sugestões de uma intervenção divina.
A entrada dificilmente poderia ter sido mais dramática, com Donald Trump a percorrer os últimos metros do túnel do pavilhão filmado de frente, a caminhar devagar e em silêncio, com uma formalidade carregada, antes da aclamação da assistência, ao som habitual de “God Bless the USA”, o candidato a agradecer em sussurro, a erguer o punho, orelha direita enfaixada. O Fiserv Forum, em Milwaukee, onde decorre a Convenção Nacional do Partido Republicano, foi o palco perfeito para a sua primeira aparição pública depois da tentativa de assassínio que sofreu no sábado.
Depois da entrada no salão, o ex-Presidente foi acenando em resposta aos aplausos e aos gritos de “Fight” (“Fight, fight, fight”, foi o que disse aos apoiantes, de punho erguido e sangue na orelha e na cara, enquanto era retirado do palco do comício na Pensilvânia pelos agentes dos serviços secretos) e de “USA”, sussurrando agradecimentos, de semblante vulnerável, quase compungido, até se dirigir ao camarote onde se juntou ao senador J.D. Vance, que horas antes anunciara ter escolhido para vice-presidente.
Já nomeado oficialmente como candidato republicano às eleições presidenciais de Novembro, Trump ressurgiu em silêncio – um silêncio que lhe é tão pouco natural, como notaram vários jornalistas presentes nos seus relatos – e bastava isso para marcar a diferença. Antes da sua entrada, pelas 21h (3h em Portugal continental), alguns dos seus mais fervorosos apoiantes já tinham aquecido a audiência.
“Se não acreditavam em milagres antes de sábado, é bom que agora acreditem”, disse o senador Tim Scott, da Carolina do Sul. “Um diabo veio à Pensilvânia com uma espingarda na mão, mas um leão pôs-se de pé e rugiu”, acrescentou. Poucas horas depois dos disparos, o próprio Trump escrevera na rede social Truth Social que “foi Deus que impediu que o impensável acontecesse”.
“Infelizmente, este é também um momento sombrio para a nossa nação. Há dois dias, o mal atacou o homem que tanto admiramos e amamos. Agradeço a Deus que sua mão estivesse sobre o Presidente Trump”, afirmara antes Marjorie Taylor Greene, a congressista extremista eleita pela Georgia conhecida por protagonizar e promover teorias da conspiração.
Esta foi a noite em que os republicanos de Trump trocaram “o retrato fulgurante de uma nação em declínio distópico” por “um sentido de divino – uma crença pulsante em milagres […] e um sentimento de que Deus poupou o seu herói”, descreveu o repórter Stephen Collinson numa análise publicada no site da CNN. “Milhares de apoiantes de Trump saudaram o seu líder, elevando-o de super-herói MAGA [a sigla de Make America Great Again] ao estatuto de santo”, escreveu Collinson.
“Antes desta semana, já sabíamos que o Presidente Donald Trump era um lutador. É o homem mais duro que alguma vez conheci. Ninguém sofreu mais”, afirmou outra oradora, Kristi Noem, a governadora do Dakota do Sul. “Há dois dias, o mundo inteiro mudou. O mal manifestou-se da pior forma através de um acto cobarde”, declarou Noem, que chegou a ser apontada como potencial candidata a vice (até ter contado, em livro, como matou a tiro uma cachorrinha e o seu bode de estimação).
Velhos hábitos
O tom geral não foi exactamente de conciliação, mas quase todas as intervenções deixaram de fora as narrativas apocalípticas e os ataques mais violentos aos democratas, limitando-se a falar dos Estados Unidos de Joe Biden como um país estagnado e em declínio. Isto depois de Trump ter anunciado que rasgou o discurso que tinha preparado para encerrar a convenção do partido, na quinta-feira, para o substituir por algo “totalmente diferente”, agora que tem “uma oportunidade para unir o país”.
Segundo uma fonte do Partido Republicano citada pela CNN, os discursos dos principais oradores da convenção foram todos reescritos nos últimos dias. O que não impediu falhas: depois de o senador Ron Johnson, do Wisconsin, ter afirmado que as políticas dos democratas representam um “perigo claro e actual para a América, para as nossas instituições, os nossos valores e o nosso povo”, um funcionário assegurou ao diário Milwaukee Journal-Sentinel que se tratava de uma frase da versão antiga do seu discurso, inadvertidamente introduzida no teleponto.
Mas como lembrou Stephen Collinson, na CNN, segunda-feira foi também o dia em que a juíza distrital Aileen Cannon mandou arquivar o processo contra Trump por ter levado documentos secretos para a sua mansão na Florida quando deixou a presidência, provocando reacções incendiárias do próprio Trump e de outros republicanos.
Este arquivamento, escreveu o candidato no Truth Social, “deve ser apenas o primeiro passo, seguido rapidamente pelo arquivamento de TODAS as Caças às Bruxas”, como “o embuste de 6 de Janeiro em Washington”. Palavras que, para Collinson, mostram que “embora Trump prometa uma mudança e um novo tom, alguns velhos hábitos são difíceis de perder”.