Os Artistas Unidos empilharam o Teatro da Politécnica em camiões. Sem casa, a companhia pode fechar

Os Artistas Unidos fizeram um convite aberto para desmontar o Teatro da Politécnica e a comunidade apareceu. Em 2022, a CML comprometeu-se a encontrar uma nova casa, mas até agora não há solução.

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Sem um espaço em tempo útil, o apoio que recebem da Direcção-Geral das Artes será cortado e a companhia não tem outra hipótese: terá de fechar Miguel Manso
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As portas do Teatro da Politécnica abriram-se ao público pela última vez. Mas sem divisão entre artistas e público, todos acartavam pedaços daquele teatro para carrinhas que partiam para um armazém em Marvila. Apesar de a Câmara Municipal de Lisboa (CML) se ter comprometido há dois anos a encontrar espaço para os Artistas Unidos, ainda não há avanços. Se não o fizer a médio prazo, a companhia histórica pode deixar de existir.

“Todos os dias vão desaparecendo coisas” do teatro, diz Pedro Carraca, um dos sócios dos Artistas Unidos. Ensaiar tornou-se um desafio, é preciso usar o que se tem — a teia já foi, as cortinas também já não servem de separação — e “fechar em caixinhas as áreas de criação” para que o caos não influencie a arte.

Os Artistas Unidos fizeram um convite aberto para desmontar o Teatro da Politécnica na tarde desta terça-feira. E a comunidade respondeu, as mãos multiplicavam-se e não paravam de aparecer. Quem entrava sentia o peso de ver aquelas paredes recheadas de cartazes de peças passadas, a bancada vermelha, as luzes ao alto, tudo pela última vez. O primeiro passo dentro do edifício levava a uma televisão onde era exibido um documentário sobre os Artistas Unidos no edifício d'A Capital, onde Jorge Silva Melo fundou a companhia em 1995.

Do lado esquerdo, a sala de ensaios, do lado direito, a sala de espectáculo e os camarins. O esqueleto de um teatro, desmontado tábua a tábua, cadeira a cadeira, e empilhado num camião que partia com destino a um armazém em Marvila. “Vai haver espaço para isto tudo?”, perguntava-se repetidamente. Porque é estranho pensar num teatro inteiro, já sem forma, dentro de um armazém pequeno.

Os mais novos arrancaram cartazes de espectáculos antigos das paredes da entrada Miguel Manso
A sala de espectáculos fica do lado direito da entrada Miguel Manso
Os Artistas Unidos querem ter um sítio para apresentar toda a trilogia de Pau Miró Miguel Manso
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Os mais novos arrancaram cartazes de espectáculos antigos das paredes da entrada Miguel Manso

“É um dos dias mais tristes da minha vida”, admite Isabel Soares, 76 anos, espectadora das peças dos Artistas Unidos desde sempre. Observa atentamente todas as cadeiras que vão passando aos ombros dos voluntários, coladas umas às outras com fita-cola. Não suporta “ver o esvaziar de um centro de cultura tão importante e que nos diz tanto”. Ao lado, está Graça Costa, 72 anos, revoltada com a “insensibilidade inconcebível” deste despejo. “[A companhia] é uma conquista. As pessoas não percebem o tempo que leva a construir um local de teatro”.

“[edifício] A Capital” — o nome é repetido várias vezes, há esperança de voltar. Mas a verdade é que “a ser solução, será solução daqui a três, quatro anos”, explica Pedro Carraca. E os Artistas Unidos não têm tanto tempo, a preocupação “é o amanhã”.

Sabem há dois anos e meio que vão ter de deixar o Teatro da Politécnica porque a Universidade de Lisboa, proprietária do espaço, quer utilizá-lo para “alojar uma colecção de espécimes conservados em álcool e formol”, explica João Meireles, outro dos sócios da companhia. Já em 2022, a CML comprometeu-se a encontrar-lhes uma nova casa, mas só no último mês começaram a visitar espaços — “inviáveis” porque já têm programação, “outras missões sociais e culturais”, não é possível albergar uma companhia de teatro nessas condições.

A ausência de um espaço de trabalho a médio prazo pode mesmo levar ao encerramento da companhia. O apoio que recebem da Direcção-Geral da Artes (que os mantém a funcionar) exige a existência de um local fixo. Aliás, na altura em que se candidataram foi anexado à candidatura um documento da CML que mencionava uma proposta de mudança dos Artistas Unidos para o edifício d'A Capital, na rua do Diário de Notícias, em Lisboa​. Mesmo essa pode não ser uma solução porque o edifício está afecto a um projecto de renda acessível e só o rés-do-chão e a cave estariam disponíveis para utilizar como espaço de trabalho. A CML enviou recentemente dados sobre a arquitectura aos Artistas Unidos, mas ainda não foi possível avaliá-los para perceber se há pé direito suficiente e possibilidade de fazer uma bancada. Quando questionada sobre soluções concretas para este problema, a CML disse ao PÚBLICO o que tem vindo a repetir: "continua empenhada", "mantém A Capital como possibilidade", "tem procurado auditórios e não só, mas até ao momento não foi possível encontrar um espaço" com as características necessárias. Sem um espaço em tempo útil, o apoio será cortado e a companhia não tem outra hipótese: terá de fechar.

Todos ali parecem saber disso, há abraços sentidos e vozes embargadas pela visão de uma construção de 13 anos desmontada em pouco menos de um dia. Mas é tudo incerto: “E agora? O que é que vamos fazer” e depois, a resposta das vozes optimistas: “Estamos a mudar de casa e não a fechar a casa”. Ângela dos Santos Rocha, 31 anos, faz parte deste último grupo. Está dentro de um camião a acomodar todos os materiais que serão levados dali para Marvila, o destino temporário dos Artistas Unidos, antes de haver nova casa. Ali, no Teatro da Politécnica, foi a primeira vez que trabalhou em teatro, a fazer cenografia e figurinos. Reconhece que é um “momento difícil” para a companhia, mas não quer equacionar a possibilidade de os Artistas Unidos ficarem sem casa.

Ângela dos Santos Rocha está dentro do camião a acomodar todos os materiais. "Estamos a mudar de casa e não a fechar a casa" Miguel Manso
A comunidade ajudou os Artistas Unidos a desmontar o Teatro da Politécnica Miguel Manso
A estrtura da bancada também foi desmontada, depois de se terem retirado todas as cadeiras Miguel Manso
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Ângela dos Santos Rocha está dentro do camião a acomodar todos os materiais. "Estamos a mudar de casa e não a fechar a casa" Miguel Manso

A vereadora do Bloco de Esquerda (BE) da CML, Beatriz Gomes Dias, também marcou presença e falou com os dirigentes da companhia. “Nós [BE] iremos fazer um requerimento para poder entender quais foram as diligências que a Câmara tomou para encontrar espaços alternativos à Capital e questionar sobre quais foram os motivos que levaram a este atraso tão expressivo na reabilitação e recuperação do espaço para cedência aos Artistas Unidos”, disse ao PÚBLICO. E mencionou ainda a importância de manutenção dos postos de trabalho, assegurados, para já, até o final de 2024.

Pelo menos alguns. João Meireles admitiu que tiveram de despedir pessoas “directamente ligadas ao funcionamento mensal dos espectáculos”. Sem um espaço foram extintos alguns postos de trabalho: já não há necessidade de ter um frente de sala ou alguém a trabalhar na bilheteira, “por muito que custe”. E mesmo quem tem contrato “terá possibilidade de o cumprir fazendo o trabalho para o qual estão contratados?”, questiona. E logo a seguir responde: “Não sei, vamos sabendo”, vive-se no imediato, é impossível perspectivar o futuro neste momento.

Tânia Tomás tem 24 anos e assiste a peças dos Artistas Unidos desde os 14. Está parada na entrada do teatro, já caminhou pelas salas despidas e só consegue dizer que tudo aquilo “é estranho”. “Parece que falta esperança”, diz, e logo a seguir põe mãos à obra.

Agora, o Teatro da Politécnica já não é teatro, passou a ser só edifício da Universidade de Lisboa. Os Artistas Unidos entregam a chave no final de Julho e começam a próxima temporada sem casa, mas com datas marcadas: Vento Forte, de Jon Fosse, dirigido pelo António Simão, estreia em Novembro no Teatro Variedades (espaço do Parque Mayer). Ainda este mês Búfalos, o último da trilogia de Pau Miró, dirigido por Pedro Carraca, estreia a 25 de Julho no Citemor.

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