Como planear uma nova cidade reformulando a antiga?

Uma grande parte das nossas cidades está sitiada pelo imobiliário e pela alocação insuficiente de financiamento público para reabilitar os imóveis existentes. O foco é claramente a construção.

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Megafone P3 Tingshu Wang
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“De velhas casas vazias, palácios abandonados, os pobres fizeram lares
Mas agora todos os dias, os polícias bem armados desocupam os andares
Para que servem essas casas, a não ser para o senhorio viver da especulação
Quem governa faz tábua rasa, mas lamenta com fastio a crise da habitação”

Uns Vão Bem e Outros Mal, Fausto Bordalo Dias

Numa época em que a sustentabilidade da presença humana na Terra é posta em causa, somos cada vez mais desafiados como arquitectos a “construir de forma sustentável”, em vez de estabelecer directrizes para repensar as estruturas já existentes.

Uma grande parte das nossas cidades está sitiada pelo imobiliário e pela alocação insuficiente de financiamento público para reabilitar os imóveis existentes. O foco é claramente a construção enquanto actividade económica, não o problema da habitação ou mesmo a crise climática.

O nosso objectivo como arquitectos, mas mais do que isso a nossa instrumentalização social, deveria ser redireccionar para pensar não na acção, mas na educação e na consciencialização do nosso espaço social dentro do nosso espaço construído. Haver comunidade é garantir que os espaços que constituem a nossa vida pública (praças, câmaras municipais, museus, …) estejam rodeados pelo cidadão privado, por Habitação. Como podemos planear uma nova cidade reformulando a antiga?

Devemos olhar os edifícios no seu estado actual de vazio e reformulá-los antes que se tornem ruínas. Porquê ter medo de reimaginar objectos, usos e significados existentes e trabalhar com os espaços públicos que conhecemos, rodeando-os das pessoas que dele se servem e o representam? No século XX, a Arquitectura Modernista rompeu com as tipologias existentes para procurar um caminho completamente novo. Agora, cem anos depois, vemos o fracasso do princípio modernista de romper com o passado e de assumir que a história pode ser catalogada em grupos e categorias organizados.

Onde é que a política estatal falhou? Onde é que a iniciativa privada se sobrepôs? Talvez o verdadeiro passo radical será a pura ocupação, a negação do exercício estético geométrico em prol da compreensão comportamental do habitar. Incentivar a manutenção é compreender os períodos históricos enquanto camadas num contínuo de problemáticas que sempre afectaram a vida urbana, aqui se coloca o desafio. Os mecanismos instalados têm que deixar de ser de pura transacção económica para ser um catalisador de ocupação.

“Das eleições acabadas
Do resultado previsto
Saiu o que tendes visto
Muitas obras embargadas
Mas não por vontade própria”

In Índios da Meia-Praia de José Afonso

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