Médicos em luta dizem que redução de lista de espera de doentes oncológicos foi “trabalho cosmético”
Movimento entrega à ministra carta aberta a alertar para a indisponibilidade dos médicos fazerem horas extraordinárias acima do limite legal, caso negociações com sindicatos não cheguem “a bom porto”
O movimento Médicos em Luta afirmou esta quinta-feira que a redução da lista de espera de cirurgia de doentes oncológicos foi "um trabalho cosmético", uma vez que não trata os doentes em todas as vertentes necessárias.
O Governo criou um regime excepcional de incentivos para reduzir a lista de doentes oncológicos à espera de cirurgia, tendo a ministra da saúde, Ana Paula Martins, anunciado na quarta-feira que, dos 9.374 doentes que aguardavam cirurgia em Abril, estavam 349 por operar.
"Libertaram as listas de espera da cirurgia oncológica, mas não resolveram o problema dos doentes oncológicos", disse à agência Lusa Helena Terleira.
O movimento inorgânico entrega na sexta-feira à ministra uma carta aberta, que conta hoje com cerca de 500 assinaturas, a alertar para a indisponibilidade dos médicos fazerem horas extraordinárias acima do limite legal, caso as negociações com os sindicatos não cheguem "a bom porto". Recorde-se que a Federação Nacional dos Médicos já agendou uma greve nacional para 23 e 24 de Julho, mas a ministra mantém-se confiante de que será ainda possível negociar.
A médica enfatizou que os doentes são operados, mas "se não houver quem leia as lâminas de anatomia patológica", camas para internar os doentes, oncologistas para avaliar estes doentes, radioterapeutas para fazer radioterapia, "estes doentes fizeram metade do trabalho de oncologia".
"Fizeram um trabalho cosmético de libertar lista de espera de cirurgia oncológica, mas não trataram os doentes oncológicos em todas as vertentes que é necessário tratar", criticou.
Para Helena Terleira, esta medida, que é apresentada como "o maior êxito" da tutela, faz parte de um conjunto de "medidas avulsas" que faz pensar que "o que interessa são medidas cosméticas".
"Não é isso que nós queremos. Nós queremos uma resolução séria, profunda dos problemas do SNS. Nós queremos reter médicos no SNS", disse, criticando o dinheiro gasto pelo Estado em prestadores de serviços nas urgências.
Helena Terleira reconhece que tem de haver tarefeiros, mas defende que não se pode investir neles "todo o dinheiro do SNS".
Além disso, vincou, está a dar-se "um sinal aos colegas mais novos" de que não vale a pena especializarem-se, porque um ano após saírem da faculdade podem estar nos serviços de urgência a ganhar um vencimento por hora que é o dobro de um assistente hospitalar graduado.
"Tenho 61 anos e o meu vencimento/hora é metade de um colega que saiu da universidade há um ano. Não só não é justo como é contra natura", salientou, precisando que um interno de especialidade ganha 13 euros à hora, os especialistas 20 euros e os tarefeiros 40, 50, 60, 70, 80 euros, dependendo dos hospitais.
"Nem sequer podem dizer que a revisão das nossas grelhas salariais não tem cabimento orçamental, porque aquilo que estão a pagar aos tarefeiros ultrapassa em muito aquilo que seria a renegociação das nossas grelhas salariais", frisou.
Criticam investimento em mais horas extra
A médica criticou também o suplemento remuneratório para as horas extraordinárias dos médicos, aprovado em Conselho de Ministros, afirmando que se continua a "apostar na mesma tecla: mais horas, mais trabalho e exaustão dos profissionais".
Os profissionais "não estão na disposição de deixar de viver" em função de "um serviço em que infelizmente não se vislumbra que haja melhorias a curto prazo".
Apesar de não haver tantas minutas de recusa às horas extraordinárias além das obrigatórias como houve em 2023, a médica disse que "já existem tantas falhas no SNS, tanta falta de pessoas, que os serviços de urgência estão a encerrar, independentemente da colocação das minutas".
Contou que há 15 dias fez quatro urgências numa semana, por uma questão de "boa vontade", de querer assegurar o serviço, uma vontade que era partilhada por todos.
Mas disse que, neste momento, "a desilusão é tão grande" que os profissionais, mesmo não assinando a minuta, não estão disponíveis para fazer mais horas.
"Ninguém nos pode obrigar a fazer mais do que 12 horas seguidas de urgência", mesmo não tendo atingido as 150 horas, disse a internista.