T-Rex: “Todos os sonhos e desejos que assinalei no meu bloco de notas estão realmente a acontecer”

Foi o músico mais ouvido em Portugal em 2023, quando lançou Cor D’Água, que o firmou como nome destacado do rap em português. Do palco principal do Nos Alive, lançará o olhar para mais longe.

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T-Rex: Daniel Benjamim, nascido em 1996, filho de angolanos, primeira infância passada no bairro da Ilha do Jacaré, em Campolide, Lisboa, entretanto demolido, desde os três anos no Monte Abraão, em Queluz rui gaudêncio

“Posso fumar e beber imenso / mas nunca esqueço de onde eu venho / Smile disse, meu puto vais ser grande / eu só espero não me espantar com o meu tamanho”. São versos de Tinoni. Estávamos em 2020 e T-Rex lançava Gota D’Espaço, longo EP de 25 minutos, como longas são todas as edições que nos foi oferecendo desde que, em 2018, se anunciou com Chá de Camomila. Quatro anos depois, como cresceu T-Rex, rapper da Linha de Sintra que se tornou de Portugal inteiro, idolatrado em Angola e restantes países africanos lusófonos, homem que ambiciona “levar a música feita em português para outro patamar” – o mundo, não menos.

De 2020 para cá houve Castanho, playlist em forma de álbum (2022), houve, no ano passado, Cor D’Água, álbum mesmo álbum que tornou T-Rex o músico português mais ouvido do ano – assim o diz a mais conhecida plataforma de streaming, o Spotify. Em 2021, esgotara duas datas no Tivoli, em Lisboa. Na apresentação de Cor D’Água, nem um lugar sobrou no Coliseu dos Recreios e no Coliseu do Porto. Em Maio deste ano, regressou à emblemática sala lisboeta para ver aquele disco ser distinguido como Melhor Álbum nos Prémios Play. Sempre em crescendo.

“Só espero não me espantar com o meu tamanho, mas espantei-me. E cada dia que passa espanto-me mais”, diz ao Ípsilon num final de manhã de Julho, a uma semana de actuar no palco principal do Nos Alive, sexta-feira, às 18h30, no dia que apresenta Dua Lipa como cabeça de cartaz – também aqui, um crescendo: em 2022 actuou no mesmo festival, mas no palco WTF Clubbing.

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“O que é que tudo isto significa para mim? Significa que é possível. Todos os sonhos, todos os desejos que eu assinalei no meu bloco de notas estão realmente a acontecer”, diz o músico nascido Daniel Benjamim a 11 de Setembro de 1996, filho de pais angolanos, primeira infância passada no bairro da Ilha do Jacaré, em Campolide, Lisboa, entretanto demolido, desde os três anos no Monte Abraão, em Queluz, Sintra. “Estou no bom caminho para o objectivo final, que na verdade nunca será o final”, reflecte. “A meta, para mim, não é o fim, é continuar a andar, porque aparecerão sempre novos objectivos. O que estes troféus, digamos assim, significam é que aquilo que almejamos é possível. No meu caso, é levar a música feita em português para outro patamar”, repete. “Acredito que estamos numa boa fase para mostrar que a música feita em português tem um lugar nessa linguagem universal da música. O mundo está a começar a arranjar espaço para todas as línguas, agora que todos temos várias plataformas de expansão.”

T-Rex ambiciona muito, sonha alto, mas fá-lo com os pés bem assentes no chão. É como a sua música, onde a cadência opiácea do trap, pratos de choque a chocalhar em reverberação, e a crueza do drill se interligam a moléculas r&b, a reminiscências do rap clássico, a alusões a formas musicais das suas raízes. “Por mais que eu esteja a fazer trap, tem uma cadência do kuduro inspirada no Bruno M, flows inspirados num dos géneros mais preciosos que a cultura angolana tem. Procuro muito isso”. É como a sua música, repetimos, com essa vertente sonora mais cósmica, como revelado em Gota d’Espaço, ou mais atmosférica, pensativa, como ouvimos em Cor D’Água: mancha de sintetizadores, guitarras liquefeitas, teclados digitais a bailarem no gelo, auto-tune aplicado na voz como arma expressiva, nada de clichés, beat em câmara lenta e flow elástico.

Viagem individual e viagem colectiva: utilizará várias vezes a palavra família durante a entrevista, e está a falar da de sangue, está a falar daqueles com que cresceu em Monte Abraão e que ainda o acompanham hoje, está a falar dos Mafia 73, o colectivo que integra e cujos membros (DVK, Kush, Demme e Pimp William) são presença nos álbuns que grava e nos palcos em que actua. Fala, também, dos camaradas chegados mais recentemente, nomes firmados no hip hop contemporâneo português como Charlie Beats, Lhast ou João Maia Ferreira (​antes Benji Price), responsáveis por algumas das produções do álbum mais recente.

T-Rex é rapper sem cedências, lírica inventiva a dobrar sílabas à lei da rima, a vogar entre a reflexão introspectiva e a narração do percurso de vida e das ambições e aspirações do presente, forma de fazer de uma viagem individual comentário social colectivo. “Só espero não me espantar com o meu tamanho”, exclamava então há quatro anos, quando não imaginava o que veio depois – Tinoni levou-o a mais e mais ouvidos, sucesso popular a que se juntariam, por exemplo, Pra mim, Tá tudo bem ou Dias, tema de Cor D’Água que partilha com Slow J.

Conversamos com T-Rex nos jardins do Palácio dos Anjos, em Algés, Oeiras. A poucas centenas de metros, avança a montagem dos palcos e de todas as estruturas do Nos Alive a que regressará agora, desta vez para actuar no palco principal. “Podem esperar um show megaenérgico, como todos, e muito significativo para mim. Independentemente da hora, é um palco enorme, é o palco principal e sei que os meus fãs vão estar lá para ver”. T-Rex está a falar do momento da actuação, de como isso o electrifica, como se entrega àquela hora de partilha com a plateia. Antes e depois, estará a matutar, a reflectir, a preparar-se.

“Estou numa fase de absorver tudo. Foram três anos de muito trabalho. Foram três anos sem parar e é uma montanha-russa de sentimentos. Saíres do bairro, de um sítio onde parecia impossível, e acredito que ainda há muita gente que acha que é impossível sair do sítio de onde eu vim e alcançar tudo isto…”. Fica suspenso nas reticências antes de continuar. “Uma coisa que sempre fiz foi tentar falar para aquelas pessoas. As frustrações de muitos dos meus amigos eram as minhas frustrações e, se eu encontrei um caminho para lidar com elas, falo por eles, tento conduzi-los, através do meu discurso, através da minha arte, para que, perante todos os obstáculos, encontrem a luz​.”

Da janela de sua casa no Monte Abraão, via-se um ringue que servia de espaço de encontro e confraternização à malta do bairro. Talvez tenha sido ali, imaginemos, que o “compadre” Vavá lhe falou pela primeira vez de tudo o que era possível fazer com uma MPC. Talvez tenha sido ali que ele e o amigo Alquénio decidiram ser “os Kalibrados da escola”, depois de Vavá lhe ter emprestado a MPC e de o Daniel ainda não T-Rex ter feito as primeiras experiências com os únicos sons disponíveis na máquina (que eram, precisamente, canções do influente quarteto do hip hop angolano). Certamente que terá ensaiado ali alguns passos de jerk (subgénero de música e dança hip hop) que praticou no início da década passada, antes de o joelho ceder.

Hoje, outros têm ali ponto de encontro, outros talvez imaginem vir a ser o T-Rex da escola. Hoje, o chão do ringue reproduz fielmente o padrão de cores que faz a capa de Cor D’Água.

"A minha música tem cores"

Daniel Benjamim cresceu numa casa onde a música era uma constante. A mãe, que não via televisão, tinha a rádio sempre ligada na RDP África. “Vou para o quarto do meu irmão, ele e os amigos a ouvir Nigga Poison, Wu-Tang [Clan], Tupac, Racionais MC's. Vou ao quarto das minhas irmãs, era Backstreet Boys, Justin Timberlake”. O pai, músico percussionista, não fazia parte do seu quotidiano nesta altura, mas também ele exercia a sua influência. “Quando acordei para a vida, encontrei a casa cheia de instrumentos. O meu pai deixou em casa as congas dele, instrumentos que os colegas lhe davam. A minha mãe tem até hoje uns adufes pendurados na parede”. Enquanto isso, ainda criança, Daniel alimentava-se de vídeos musicais nos canais VH1, MCM, MTV – mas também se demorava pelo canal Odisseia, de acordo com um fascínio pelos mistérios do universo que transborda agora para a sua música (Gota D’Espaço não surge por acaso).

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Um ringue desportivo do Monte Abraão foi pintado com o padrão gráfico da capa de Cor D'Água BERNARDO CASANOVAS

Considera a diversidade de sons que absorvia na infância e primeira juventude como determinante para a pele musical que veste enquanto T-Rex. “Camaleão é a melhor definição para a minha arte”. O hip hop estará sempre na base do que faz – o norte-americano Travis Scott é uma grande referência, tal como o luso-angolano NGA, um dos fundadores dos Força Suprema, ícone do rap da Linha de Sintra –, mas recordamos que o primeiro concerto a que assistiu foi dos Thirty Seconds to Mars e que é também um apreciador de heavy metal, algo, aliás, patente no ambiente de várias das suas canções (ouça-se o tom soturno de We will rock, de Chá de Camomila).

“Quando estou a criar sinto a minha música como cores. A minha música tem cores, tem texturas”, diz ao Ípsilon. Nesse sentido, explica, tem um processo criativo muito intuitivo, “go with the flow”. Essas cores e essas texturas transportam-no e outros sentidos se revelam. “Lembro-me de cheiros, de casas, revivo verdadeiramente aqueles momentos”. É isso que quer que transpareça na sua música, para que, “quando as pessoas ouvirem, a sentirem como o filme de uma vida, que pode ser o filme da sua própria vida, no seu próprio cenário”.

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Neste momento, neste Verão, há muita estrada para andar, muitos concertos para dar, há que pensar quando voltará à sua Angola, de onde o solicitam diariamente (“tens de vir ao Huambo, tens de vir ao Uíje, tens de vir a Cabinda”). Há que continuar a trabalhar na "metamorfose musical", sintonizada com a música globalizada, mas manifestando uma expressão única, que permita, como é sua intenção, “expandir a música feita em português lá fora”. Em resumo, há que pensar no que está para vir, agora que tudo começou.

“Muito do que está para trás era eu ainda à procura de um sound, de um caminho. Com o Cor D’Água, encontrei-o. Muitos artistas pensam que quando atingem o pico já está. ‘Já não consigo andar à vontade no [Centro Comercial] Colombo, então já está fixe’. É mais do que isso, é muito mais importante do que isso. Atingi esse pico com o Cor D’Água, mas, para mim, é quando atinges esse pico que tudo começa”.

Daniel Benjamim, alcunha familiar Toy Toy, mantida até hoje, T-Rex como nome de guerra no mundo da música. 27 anos de idade. Não parecem muitos, mas é muita vida. É só o início.

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