Investigação descreve cultura de “disparar primeiro” em Gaza

Revista +971 e Local Call divulgam relatos de militares sobre operações na Faixa de Gaza: disparos fáceis, “por aborrecimento”, casas queimadas

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Escola atacada em Nusairat, na Faixa de Gaza REUTERS/Ramadan Abed
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Os militares israelitas na Faixa de Gaza não recebem instruções sobre as regras de disparo – e acabam muitas vezes por disparar contra civis, contra outros soldados, ou até para lado nenhum, quando há muito tempo sem nada para fazer e o aborrecimento aparece, segundo uma investigação conjunta da revista israelita +972 e o site Local Call.

Seis testemunhos contaram como os soldados disparam de modo rotineiro contra qualquer pessoa que se aproxime de zonas que são designadas como proibidas pelo Exército.

As zonas são assinaladas, mas acontecia por vezes civis entrarem, por exemplo para locais por onde passavam as colunas humanitárias, para ver se tinha caído alguma comida de algum camião, contou o reservista identificado como D.. A política mantinha-se: disparar contra quem passasse o limite.

Mesmo noutras ocasiões, a autorização para disparar era tratada como algo praticamente facultativo. “Havia liberdade de acção total”, declarou B., que esteve destacado vários meses na Faixa de Gaza. “Se houver uma sensação de ameaça, não é preciso explicar — simplesmente dispara-se”, e não para o ar, “é admissível disparar para o centro de massa”, o corpo da pessoa suspeita, disse.

Alguns alvos requerem autorização mais alto na hierarquia, como hospitais, escolas, instituições religiosas, edifícios de organizações internacionais, mas na prática, “consigo contar pelos dedos de uma mão os casos em que nos disseram para não disparar”, segundo o reservista A. A cultura é “disparar primeiro, perguntar depois”, resumiu.

“Toda a gente faz o que quer”

Em Abril, na sequência de um ataque que matou sete trabalhadores humanitários da organização World Central Kitchen (o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu comentou: acontece na guerra), uma fonte ouvida pelo Haaretz explicava como era possível que tivesse havido disparos sobre veículos cuja passagem tinha sido articulada com as autoridades militares – nem todas as unidades sabem o que foi combinado e a causa era simplesmente uma: “É Gaza – toda a gente faz o que quer”.

O facilitismo em relação aos disparos também terá sido a razão para a morte de três reféns, que em Dezembro conseguiram escapar aos seus captores, indicar com um grafito em hebraico que estavam numa casa, e a dada altura sair com um pano branco em direcção a militares. Os militares viram-nos como uma ameaça, dispararam contra eles, e mataram-nos.

Os militares entrevistados para o artigo dizem que além de contribuírem para a morte de mais de 38 mil habitantes da Faixa de Gaza, estas regras são parcialmente responsáveis pelo número relativamente elevado de soldados mortos por “fogo amigo” nos últimos meses – entre as 324 baixas militares da invasão de Gaza, pelo menos 28 foram resultado de disparos da parte de forças israelitas, segundo o Exército.

Além da autorização para disparos de toda a ordem, há ainda a possibilidade de disparar quando se está há muito tempo num local sem acção e se está “aborrecido”, contou um militar. “Pessoalmente, disparei algumas balas sem razão, para o mar, o passeio, ou um edifício abandonado”, contou um reservista que serviu no Norte de Gaza. “Fica registado como ‘fogo normal’, o que é código para ‘estou aborrecido, por isso disparo.”

Incendiar casas

O Exército diz que o Hamas se infiltra na população civil e que é difícil identificar quem é combatente ou não. Homens com idades entre os 16 e os 50 são suspeitos, diz A., e isto quer dizer que quando eram mortos, eram contabilizados como combatentes inimigos, razão pela qual diz que não confia nos números israelitas de mortos do Hamas. “Cada pessoa que matávamos, contávamos como terrorista.”

Dois dos militares na reserva que falaram para o artigo também falaram da prática de incendiar todas as casas pelas quais passavam e que usavam como “base” – foi precisamente esse o motivo para que o único militar que aceitou dar o nome para o artigo Yuval Green, 26 anos, se recusasse agora a voltar a servir.

Os soldados muitas vezes vão usando casa após casa. Green questionou o seu comandante sobre a necessidade de queimar a casa, e ouviu que era para não deixar informação que pudesse revelar métodos de combate. Mas eram casas que estavam a ser ocupadas por razões operacionais, e não porque fossem de combatentes do Hamas. Green questionou a ordem e decidiu que se a casa fosse queimada, se recusaria a voltar a servir. E foi isso que aconteceu.

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