Lucília Gago implica ministra da Justiça em “campanha orquestrada” contra MP

Na sua única entrevista, procuradora-geral da República atira farpas a Marcelo e recorda que inquérito à actuação de António Costa ainda decorre, embora ex-primeiro-ministro seja apenas testemunha.

Foto
Lucília Gago, procuradora-geral da Republica (PGR) termina o mandato em Outubro Nuno Ferreira Santos
Ouça este artigo
00:00
03:44

A três meses de terminar o mandato que iniciou a 12 de Outubro de 2018, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, deu esta segunda-feira a sua primeira entrevista. E recordou que o inquérito aberto pelo Ministério Público à actuação do ex-primeiro-ministro António Costa no âmbito da chamada Operação Influencer “ainda corre”, muito embora o magistrado que ouviu o futuro presidente do Conselho Europeu, a pedido do próprio, tenha entendido não haver necessidade de o constituir arguido.

"As investigações prosseguem", repetiu várias vezes durante a entrevista, recusando que se possa estar perante "um erro" dos magistrados do Ministério Público. "Não é a a leitura de um magistrado. Houve uma avaliação que incidiu com todo o cuidado na prova de que se dispunha. E um conjunto de pessoas entendeu que havia indícios relevantes", disse. "Se o inquérito não foi até agora encerrado é porque haverá algo a que tal obstará", observou, esclarecendo que António Costa foi ouvido na qualidade de testemunha.

Garantindo que nunca pensou em demitir-se, a dirigente máxima do Ministério Público afirmou estar em curso uma "campanha orquestrada" contra esta magistratura, e na qual "se inscrevem pessoas que têm ou tiveram responsabilidades de relevo na vida da nação". Para incluir entre esses críticos a actual ministra da Justiça, que a acusou recentemente, e em público, de falta de capacidade de liderança e de comunicação. Para a magistrada, estas foram afirmações "graves" e "num certo sentido indecifráveis", até porque Rita Júdice nunca lhe comunicou tal opinião durante a audiência que manteve consigo. "Fiquei algo incrédula e até perplexa".

"São graves pela circunstância de estarem a dizer que o Ministério Público tem falta de liderança, de capacidade de comunicação e que tem que arrumar a casa, dizendo que houve perda de confiança imputável à minha liderança. A minha conclusão é que se juntam a muitas outras que imputam em exclusivo ao Ministério Público responsabilidade de todas as coisas más que acontecem na justiça. O que recuso em absoluto”, sublinhou. Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça não reagiu a estas afirmações.

Embora neste caso menos afiadas, as farpas de Lucília Gago também tiveram como destinatário o Presidente da República. Falando de uma conversa que Marcelo Rebelo de Sousa manteve com jornalistas estrangeiros, durante a qual aludiu ao "maquiavelismo" de a abertura do inquérito ao caso das gémeas coincidir com as buscas na Operação Influencer, a magistrada disse terem sido frases que "causaram alguma perplexidade, surpresa e algum desconforto" a algumas pessoas. "Não recebi essas declarações com agrado, fazem criar na opinião pública um propósito de concertação destas datas. E esse propósito não existiu — muito menos da minha parte”. De resto, a magistrada considerou "absurda" a ideia de que o Ministério Público tenha o fito de perseguir a classe política.

"Não se pode ter dois pesos e duas medidas. Não se pode dizer que todos os cidadãos são iguais perante a lei e depois querer dispensar um tratamento especial e diferenciado a uma figura de um primeiro-ministro. É evidente que não me sinto responsável pela sua demissão", declarou ainda sobre a Operação Influencer nesta entrevista à RTP, justificando assim a decisão de incluir o famoso parágrafo do comunicado do Ministério Público, divulgado em Novembro passado, e no qual era revelada a existência de uma investigação ao primeiro-ministro.

Recorde-se que a entrevista acontece numa altura em que está debaixo de fogo por permanecer tantas vezes em silêncio e já depois de o Parlamento ter aprovado a sua audição. Contudo, Lucília Gago sugeriu deslocar-se ao Parlamento apenas depois de estar concluído o relatório anual de actividades de 2023 do Ministério Público. À RTP, negou ter-se recusado a ir imediatamente a São Bento: "No próprio dia em que o convite me foi endereçado ousei sugerir que essa ida pudesse acontecer após a conclusão do relatório de actividades do Ministério Público. Mas disponibilizei-me para ir" antes dessa data, garantiu, ao mesmo tempo que lia a resposta que enviou aos deputados.

Admitindo que a imagem da justiça "sai muito fragilizada" de episódios como o da detenção, durante três semanas, dos arguidos da investigação aos negócios na Madeira, a entrevistada enjeitou responsabilidades nesta matéria: "O Ministério Público fez tudo o que lhe competia e dentro do prazo, para que o juiz de instrução criminal pudesse tomar uma decisão [atempada]. Mas a leitura que ele fez foi distinta", recordou.

Questionada sobre o seu silêncio ao longo da maior parte do seu mandato, Lucília Gago deu uma explicação: “Eu sempre considerei que a discrição é bem melhor do que o espalhafato. Nunca tive o culto da imagem, não preciso de popularidade, de modo algum de estrelato”.

Sugerir correcção
Ler 7 comentários