A França decidiu o que não quer, não o que quer

A analista Camille Lons diz que campanha para as legislativas antecipadas foi mais um passo para a normalização do partido de Marine le Pen.

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Manifestações contra a União Nacional em França: o partido ficou em terceiro lugar na segunda volta das eleições legislativas Benoit Tessier / REUTERS
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A vitória da esquerda nas eleições legislativas francesas foi uma grande surpresa, assim como o terceiro lugar do partido União Nacional, que durante três semanas vinha a aparecer como o mais provável vencedor. No entanto, o suspirar de alívio do chamado “campo republicano” no domingo à noite deu lugar a análises mais frias na manhã de segunda-feira: incluindo o facto de estar longe de ser claro que tipo de coligação poderá ser negociado num país que não tem esta cultura política.

“Sabemos contra o que os franceses votaram, mas é muito menos claro a favor do que votaram”, resumiu Camille Lons, a número dois do escritório de Paris do European Council on Foreign Relations, numa sessão promovida pelo think tank sobre as eleições nesta segunda-feira de manhã, após a segunda volta das eleições antecipadas depois da decisão de dissolver a Assembleia Nacional tomada pelo Presidente, Emmanuel Macron.

Lons sublinhou ainda que a campanha para estas eleições legislativas foi “muito tóxica e, apesar do alívio de não ver a União Nacional eleita no curto prazo, no longo prazo vimos uma explosão de afirmações racistas xenófobas e homofóbicas que foi além do que até agora era possível dizer no debate público”. Além disso, “durante três semanas, o público francês achou que poderia haver um Presidente da União Nacional, o que foi uma grande mudança psicológica”.

E o partido subiu muito nos lugares de deputados — um aumento de mais de 50 deputados em relação às legislativas de há dois anos e muito mais do que os que tinham há sete anos (dois em 2012, oito em 2017), apontou pelo seu lado Célia Belin, a chefe do escritório de Paris do ECFR.

Para Belin, a surpresa do resultado da União Nacional está em parte no facto de ter havido uma campanha, muito espontânea, também nas redes sociais, de exposição do radicalismo da União Nacional, que sob Marine le Pen seguiu uma estratégia de desdiabolização, mas que viu o seu programa e declarações problemáticas dos seus candidatos expostas. “Diria que muitas pessoas não estavam a prestar realmente atenção ao que propunha a União Nacional, de ter no seu núcleo uma preferência nacional, de apoiar a discriminação de pessoas com dupla nacionalidade, por exemplo”, diz.

Mas agora a situação é de uma grande falta de clareza: “Há uma grande incerteza em relação a quem governará França”, sublinhou Belin. “Esta coligação [de esquerda] só aconteceu há três, quatro semanas, é muito recente e está muito dividida, há muita coisa para ser discutida”, disse.

Se na noite eleitoral foi Jean-Luc Mélenchon, o líder da França Insubmissa, que se apresentou a discursar pela coligação de esquerda, é também ele a figura excluída das possibilidades de ser primeiro-ministro por ter oposição mesmo dentro do seu próprio campo. Isto apesar de não ser possível uma maioria absoluta numa coligação do campo de Macron com a coligação de esquerda sem a França Insubmissa, ou seja, esta teria sempre de fazer parte da solução governativa para uma maioria absoluta.

Outra hipótese será também “talvez um governo minoritário, em que é negociado projecto a projecto, lei a lei”, imagina Lons, “o que quer dizer muito menos poder para o Presidente e muito mais para a Assembleia Nacional”.

Como em França não há, ao contrário de outros países europeus como a Alemanha, uma cultura política de negociar coligações, este processo poderá demorar “semanas”, dizem as analistas do ECFR.

Belin diz que a data de 18 de Julho, em que a Assembleia Nacional terá de ter o seu presidente, é vista em geral como um potencial prazo, mas que este poderá ser ultrapassado se as partes acharem que vale a pena negociar mais tempo.

Notícia corrigida às 16h50

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