Luís Cerdeira deixa Soalheiro e começa novo projecto com o filho na próxima vindima

A saída do enólogo do Soalheiro é outra cisão familiar no mundo dos vinhos. Maria João e Palmira Cerdeira seguem com a empresa, Luís e o filho Manuel vão criar outro projecto. Tempos interessantes.

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Luís Cerdeira era sócio, gestor e enólogo da empresa familiar Soalheiro Nelson Garrido/Arquivo Público
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“Calma, calma. Que não haja angústia: eu estou com o meu juízo todo.” Meio mundo no sector do vinho esfregava os olhos para se certificar de que estava a ler bem a notícia e era assim que Luís Cerdeira — sem dizer bom dia ou boa tarde — começava a conversa com PÚBLICO depois de ter caído nas redacções um comunicado a anunciar a sua saída como sócio, gestor e enólogo do Soalheiro — uma das marcas mais prestigiadas do país.

No último ano, o sector do vinho movimentou-se com aquisições que pareciam improváveis, mas o fim da relação de Luís Cerdeira com o Soalheiro cai na categoria de bomba. O enólogo foi — durante as últimas décadas — o rosto do Soalheiro no que diz respeito ao desenho do portfólio, à cultura criativa da adega de Melgaço e, até, na própria estratégia de comunicação, assente na sua irreverência a explorar a casta Alvarinho em modos nunca antes vistos. Donde, a pergunta é: por que razão alguém com este peso decide sair de um projecto de sucesso?

Especulações à parte — existem variantes para todos os gostos —, a resposta, quer no comunicado oficial quer pela voz de Luís Cerdeira, é sempre politicamente correcta (“fim de um ciclo e início de outro projecto familiar”), até porque é preciso proteger a marca e sossegar o mercado, mas, no Soalheiro (como, de resto, em muitas empresas familiares portuguesas do sector que não são Symington ou Sogrape), a dada altura as visões estratégicas opostas acabam por dar origem a cisões como esta.

A entrada, há três anos, de Rui Encarnação para a gestão do Soalheiro já indiciava a necessidade de uma melhor gestão das sensibilidades entre Luís, a irmã Maria João — criadora da linha de infusões Soalheiro e responsável pela gestão do Clube de Viticultores — e a mãe, Palmira Cerdeira. Depois de ponderar e até avançar com outra solução estratégica, Luís Cerdeira sai para iniciar um novo projecto, “que arranca já na próxima vindima”. Só por aqui se vê que a saída foi planeada com tempo.

Que projecto é este? “É algo que vai continuar a explorar a casta Alvarinho em Monção e Melgaço, mas também as castas de outras sub-regiões.” O enólogo, que foi durante anos técnico da Comissão Vitivinícola Regional dos Vinhos Verdes, entende que, “com o Alvarinho ainda há muito para descobrir, assim como há muito para trabalhar com o Loureiro e o Avesso. Eu sou estruturalmente um homem do Alvarinho e dos Vinhos Verdes. E é aqui que quero continuar a trabalhar”.

Depois de enfatizar que deixa uma empresa “sólida, com notoriedade e uma enóloga excelente”, Luís Cerdeira não esconde a excitação no arranque do novo projecto com o filho Manuel, acabado de licenciar-se em Viticultura e Enologia em Inglaterra. “A minha maneira de trabalhar o vinho é através do sonho, sempre foi assim e sempre assim será. O facto de o meu filho me estar permanentemente a desafiar e o facto de sentir um gozo tremendo a desenhar este novo projecto com as ideias de ambos é qualquer coisa de extraordinário para a minha maneira de ser. Eu precisava mesmo disto”, refere o enólogo.

Apesar de ter 22 anos, Manuel Cerdeira não só não é novato no negócio como revela bem de quem é filho. Há uns anos criou, com um amigo inglês, a empresa Not Yet Named Wine Co, cujo conceito e modelo de negócio é bem fora da caixa.

Os dois sócios escolhem uma qualquer região vitícola internacional — a primeira foi a dos Vinhos Verdes — e lançam online uma espécie de modelo de vinho que se pode conseguir a partir de uma determinada casta ou conjunto de castas e vinificações. Isto é, avançam com sugestões de várias fermentações e estágio. Depois, a comunidade de consumidores interessada no conceito vota nas castas e nos métodos de vinificação e de estágio.

No final, a partir da decisão da maioria, os empresários fazem o vinho, que também será filtrado e rotulado ao gosto do freguês. Para se ter acesso a vinhos da Not Yet Named Wine, cada consumidor paga uma mensalidade de 30 libras. Ao fim de seis meses, pode ter direito a uma caixa de seis garrafas. Desde que iniciaram o projecto, lançaram vinhos de Portugal, Chile, EUA, África do Sul e Eslovénia.

Um conservador achará isto uma esquisitice, mas nós, que entendemos que criar é olhar para algo que já conhecemos e ver outra coisa, gostamos do conceito porque o mundo do vinho requer inovação.

O Soalheiro não é apenas uma empresa de vinhos Alvarinho — é um conceito, um estado de alma e um laboratório de produção de riqueza na região que deviam ser estudados nas universidades. Aqueles que reconhecem isso e gostam de Alvarinhos de todas as formas e feitios só podem desejar a continuidade da cultura organizacional do Soalheiro, agora com Maria João e Palmira Cerdeira, e sucesso ao novo projecto de Luís e Manuel Cerdeira. O mundo do vinho bem precisa dos dois casos.

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