Três quartos dos jovens portugueses têm uma visão polarizada da política — e mais à direita

Votam nos extremos, especialmente à direita, e são descrentes dos partidos tradicionais. Os jovens portugueses preferem manifestações a ir às urnas e é a direita radical que os tira da abstenção.

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Jovens preferem manifestações a idas às urnas Etienne Girardet/Unsplash
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A expressão “no meio é que está a virtude” já era. Pelo menos no que toca à política entre os mais jovens: 74% dos portugueses entre os 18 e os 34 anos têm “uma visão bastante polarizada da vida política e partidária”, tendo votado mais nos extremos, sobretudo à direita, nas eleições legislativas de 2022.

Há também uma correlação “forte e estatisticamente significativa” entre a “polarização ideológica” e a “participação eleitoral”. Por outras palavras, os jovens mais polarizados são também os que mais votam, contrariamente ao resto da população: 63% dos portugueses que declaram ter votado nas eleições de 2022 têm “uma perspectiva não polarizada da vida política e partidária do país”. O mesmo só acontece com 26% dos jovens.

A conclusão é do estudo 50 anos de Democracia em Portugal: Aspirações e Práticas Democráticas – Mudanças e Continuidades Intergeracionais (ISCSP/CAPP), coordenado por Conceição Pequito, Manuel Meirinho e Pedro Fonseca e de que o PÚBLICO é parceiro. Nesta etapa da investigação, o objectivo foi observar a Participação eleitoral em Portugal e eficácia política do voto.

Os jovens tendem a ver a vida política “como uma espécie de luta, de disputa entre inimigos, com posições extremas e irreconciliáveis, que depois das eleições não estão disponíveis para ser resolvidas”, afiança Conceição Pequito. Mais ainda, são “contra o sistema”: “Contra os políticos, os partidos, a classe política tradicional e não querem aderir a formas de participação política que vêm de cima para baixo.”

Até porque, mostra-nos o estudo, os mais jovens (entre os 18 e os 24 anos) são mais cépticos em relação à eficácia do voto do que os da faixa etária entre os 25 e os 34. A percepção da eficácia do voto é mais baixa entre os “mais jovens” (dos 18 aos 24 anos), 57%, do que entre os “jovens” (dos 25 aos 34), 67%.

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O estudo aponta ainda que os que fazem a estreia nas eleições nacionais são “o grupo etário menos propenso a votar”, considerando que “outras formas de participação política menos convencionais podem ser politicamente mais interessantes e eficazes” ou encarando o exercício do voto “como uma ‘opção individual’ e menos como um ‘dever cívico’ essencial ao bom funcionamento da democracia. Preferem as manifestações, as acções de rua, até a desobediência civil, pois acreditam que só assim a sua voz será ouvida.

“É importante reconciliar, de uma vez por todas, os partidos políticos com os mais jovens, ou arriscamo-nos a ter jovens nas ruas e afastados das urnas, o sítio onde elegemos os nossos representantes e os responsabilizamos”, avisa a docente.

Em comparação com as faixas etárias seguintes, conclui-se que “os jovens votam menos que os mais velhos”. Um fenómeno que “não é específico de Portugal”. É, na verdade, “comum e transversal a quase todos os países europeus, a diferença é que a magnitude do voto dos jovens [noutros países] é muito maior que a nossa”, afirma a professora e investigadora.

Os mais velhos percepcionam maior eficácia no voto: 53% dos portugueses que dizem ter votado acreditam que o seu voto é eficaz, contra 47% que acham que o seu voto “dificilmente poderá influenciar as políticas que serão desenvolvidas pelo governo após as eleições”.

A abstenção está a enraizar-se

O estudo mostra também que os “mais jovens” (18-24) votam menos do que os “jovens” (25-34), o que pode indicar que “a abstenção e a não participação está a tornar-se um hábito nos jovens”. “A literatura diz-nos que as primeiras eleições são muito importantes, porque podem criar nos jovens o hábito de votar enquanto dever cívico e não enquanto preferência pessoal”, explica Conceição Pequito.

São os partidos populistas, que se situam nos extremos, principalmente à direita, que conseguem mobilizar abstencionistas, “cansados da política tradicional e do rotativismo entre PSD e PS, o bipartidarismo tradicional”, para irem às urnas. Um quarto (25%) dos jovens situa-se na direita radical, onde está o Chega, “à semelhança do que acontece noutras democracias europeias”.

Até porque é junto dos mais jovens que se nota um descontentamento em relação à oferta partidária, muito maior do que junto dos eleitores mais velhos. É nos novos partidos, mais radicais, como o Chega, ou com agendas de nicho, como o PAN ou o Livre, que encontram alguma identificação.

Há alguns factores que pesam na ida às urnas: votam mais os que têm maior interesse pela política (80%), que têm um maior sentimento de eficácia política interna (74%) e externa (57%) e que têm uma “forte ou razoável exposição à informação política, quer através dos meios de comunicação social tradicionais (76%), quer da Internet e das redes sociais (88%)”.

“Embora as redes sociais sejam extremamente relevantes para os jovens” – 88% dos jovens que votaram nas legislativas de 2022 têm uma forte exposição à informação política através da Internet e das redes sociais, onde os partidos da direita radical são populares —, os jovens continuam a confiar nos media tradicionais e a olhar para eles “como uma espécie de polígrafo”. Mais de três quartos (76%) continuam a ver os meios de comunicação social tradicionais como uma importante fonte de consumo de informação política.

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O estudo aponta também que são os jovens (18 aos 24 anos) e jovens adultos (25 aos 34 anos) que dizem sentir uma “maior satisfação quer com o funcionamento da democracia (77%), quer com o modo como funcionam as eleições em Portugal (57%)”. Os níveis de participação eleitoral também são mais altos (62%) junto daqueles que se sentem mais satisfeitos com a “oferta partidária”. E os que “avaliam de forma mais negativa a situação económica do país” são os que têm “maior propensão para exercer o seu direito de voto (77%)”.

Por outro lado, são os jovens com “níveis de escolaridade mais elevados (78%), que consideram o rendimento do seu agregado familiar ou razoável (56%) ou confortável (29%), que estão empregados (76%) e que vivem em grandes vilas ou cidades (72%)” que registam níveis de participação mais elevados.

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A larga maioria (80%) dos jovens que votou nas legislativas de 2022 diz ter “muito interesse pela política”, o que pode contrariar a ideia de que há um alheamento em relação a este tema. Ainda assim, a abstenção mostra que “eles próprios podem não se sentir preparados para votar aos 16”, ideia que é defendida por alguns partidos em Portugal e que levou países como a Alemanha ou a Bélgica a reduzirem a idade de voto nas recentes eleições europeias.

“Os jovens só vão dirigir-se às urnas quando perceberem que o seu voto faz a diferença, ou seja, quando tiverem uma percepção elevada da eficácia política do voto, daquilo que vão ser as políticas públicas adoptadas. É aí que eles querem ser ouvidos”, conclui Conceição Pequito.

Nota: ​O PÚBLICO é parceiro do ISCSP-Ulisboa no projecto "50 Anos de Democracia em Portugal: Aspirações e Práticas Democráticas – Continuidades de Mudanças Geracionais (ISCSP/CAPP, coordenação de Manuel Meirinho, Conceição Pequito e Pedro Fonseca)" e publicará ao longo de 2024 vários artigos sobre os resultados do inquérito nacional realizado no âmbito do projecto.

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