França e Bélgica, uma rivalidade centenária

As duas nações vizinhas decidem quem irá esperar por Portugal ou pela Eslovénia nos quartos-de-final.

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Theo Hernandez reage depois do empate com a Polónia, no último jogo Bernadett Szabo / REUTERS
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Os franceses referem-se amiúde aos vizinhos do norte como “nos amis belges” (“os nossos amigos belgas”) ou “les petits belges” (“os pequenos belgas”). Garantem ser por simpatia, mas os destinatários torcem o nariz. Acreditam ser uma arrogância dirigida a uma espécie de primo acanhado que vive à sombra das grandes famílias. O desconforto é sublinhado pelo humorista belga Guillermo Guiz, que assina uma coluna no jornal Le Soir como tesoureiro e fundador da Associação de Luta contra a Expressão Nos Amis Belges.

Se a relação entre a França e a Bélgica tem sido marcada ao longo dos séculos por proveitosas trocas económicas e interacções políticas e culturais, nunca deixou de existir grande rivalidade entre os dois vizinhos. O desporto será o maior exemplo dessa concorrência e o futebol, em particular, o seu principal catalisador na actualidade.

Quando Roberto Martínez, actual seleccionador de Portugal, comandou os destinos da Bélgica com a bola no pé e convidou o antigo internacional francês Thierry Henry para adjunto, o ex-atacante do Arsenal e Barcelona foi acusado de “traição” no país natal. Em sua defesa veio o veterano técnico francês Arsène Wenger, o mentor do ex-jogador no Arsenal: “Não é uma traição, é uma oportunidade para ele aprender o trabalho com um treinador, sem pressão”.

Foi precisamente contra a França, há 120 anos, que a Bélgica disputou o seu primeiro jogo internacional de selecções, a 1 de Maio de 1904, semanas antes das respectivas federações fundarem a FIFA, o organismo que passou então a gerir o futebol, e que incluía ainda Países Baixos, Suécia, Dinamarca, Suíça e Espanha. A efeméride foi assinalada no estádio Vivier d’Oie, em Uccle, no sul de Bruxelas. O encontro terminou com um empate a três bolas.

Os dois confrontos seguintes, também amigáveis, deram amplitude à adversidade. Em Maio de 1905, no mesmo cenário, os belgas transcenderam-se e golearam por 7-0. Um ano depois, em Abril de 1906, os franceses equilibravam a balança em casa (Fontainebleau), com um 5-0. Seguiram-se mais 72 encontros entre “bleus” e “diables rouges”, os nicknames, entretanto, adoptados.

Nas contas finais, o balanço é positivo para os belgas, com 30 triunfos contra 26 dos franceses, sobrando ainda 19 empates. Mas os dois últimos embates entre as duas nações decidiram duas meias-finais de competições oficiais e sempre para o mesmo lado. Os "bleus" a baterem os vizinhos no Mundial da Rússia, em 2018 (1-0), antes de arrebatarem o seu segundo troféu na competição, em Moscovo, frente à Croácia. Mais recentemente, em 2021, novo triunfo na Liga das Nações, que também seguiu para França. Uma derrota particularmente pesada para os belgas, que estiveram a vencer por 2-0 até aos 62’.

As duas selecções chegam esta segunda-feira aos oitavos-de-final do Euro 2024, em Dusseldorf, na Alemanha, após uma fase de grupos oscilante, que deixou mais cépticos os adeptos. Os franceses recebem, mesmo assim, a maior dose do favoritismo face a um adversário que tem desiludido e muito nos grandes torneios.

Frente aos belgas, Didier Deschamps deverá voltar a alterar o figurino da equipa, apostando num 4-4-2 em losango, e espera-se maior criatividade de uma selecção que teima em não marcar, apesar da qualidade atacante.

O aspecto ofensivo tem sido precisamente o mais criticado, com as duas equipas a somarem apenas dois golos cada (e um sofrido) nos três jogos da fase de grupos, apenas melhor do que a eliminada Sérvia (um golo). O vencedor irá aguardar nos quartos-de-final a decisão do Portugal-Eslovénia.

Outro grande campeonato entre as duas nações reside no humor. São muitas as piadas inventadas sobre o vizinho e por estes dias não faltarão em Dusseldorf. Fica um exemplo: “Como é que um francês se suicida? Dispara vários centímetros acima da sua cabeça, mesmo no meio do seu complexo de superioridade.”

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