Em Gaia, um bar de vinhos da torneira e de intervenção mínima: Tão Longe, Tão Perto

O bar traz do Brasil para Portugal o conceito do vinho da torneira, com foco no “vinho artesanal”. Ideia é “fechar o ciclo” do produto e ter no Tão Longe, Tão Perto uma casa onde todos se sintam bem.

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Da esquerda para a direita, Ana Carolina Chaves, Ariel Kogan e Carlos Chaves, os responsáveis pelo Tão Longe, Tão Perto em Gaia Paulo Pimenta
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Vinho de intervenção mínima — bem feito e sem defeito, diga-se já —, servido de seis torneiras ligadas a “kegs”, aqueles barris de plástico PET, com revestimento muito semelhante ao do bag-in-box, até agora usado por cá sobretudo no universo da cerveja artesanal. Aqui, faz-se num original e descontraído bar de vinhos, que procura “fechar o ciclo” do produto, num negócio “praticamente sem resíduos”, que permite “diminuir a pegada de carbono” da distribuição, ao mesmo tempo que convida a conviver como se estivéssemos “em casa” e com vista para a Ribeira do Porto.

O espaço, Tão Longe, Tão Perto, fica na curva mais bonita da Rua General Torres, 367, do centro histórico de Vila Nova de Gaia. E é um projecto de Ariel Kogan, Ana Carolina Chaves e Carlos Chaves. Um argentino e dois brasileiros, unidos por laços familiares — Ariel é casado com a irmã de Carlos; e Carlos e Carol, como lhes chamam os mais próximos, são um casal —, e com formações que se completam. Ariel é engenheiro industrial, especializado em sustentabilidade, Ana Carolina é publicitária e Carlos financeiro num banco em Portugal.

O projecto de Ariel no Brasil começou durante a pandemia, em 2020, com a sócia e conhecida empresária e sommelier Gabriela Monteleone (restaurante D.O.M.)​. O nome e o conceito das torneiras surgiram ainda antes de haver a Casa Tão Longe, Tão Perto, no outrora bairro industrial, hoje cultural, da Barra Funda (no espaço paulista, 'salvaram' 4240 garrafas de vidro em 2023 e até Maio deste ano já pouparam a/na produção de 2266). Com o argentino, radicado no país do samba e do chope (cerveja), a levar a casa das pessoas diferentes produtores de vinhos brasileiros, que já não podiam ter as vinícolas abertas a visitas.

Daí às food trucks “dos Los Mendozitos” (de Mendoza, na Argentina) foi um saltinho. E, até surgir a ideia dos “kegs”​, foi outro. “O vinho é uma bebida extremamente elitista no Brasil e isso, enquanto argentino, sempre me fez confusão. Na Argentina, faz parte do nosso dia-a-dia. Todos os projectos que fui criando [uma marca de bag-in-box; vinho em lata; o livro Conversas Acerca do Vinho; a importadora de vinhos naturais...], tinham, têm, que ver com isso.”

Com isso e com a formação de base de Ariel. “Aqui, você fecha o ciclo [do produto]. Não há praticamente resíduos.” Os “kegs” apareceram quando a dupla, Kogan e Monteleone, pensaram “o que podemos fazer mais?” e começaram “a encher growlers [garrafas de vidro escuro reutilizáveis] e a encher “kegs” [os tais barris, de 20 e 30 litros] para vender no delivery”, ou seja, na distribuição. “E muitos restaurantes diziam-nos: quando eu puder abrir, também quero.” Quando chegou a hora, muitos até já tinham torneiras instaladas; foi fácil. E um deles, o Futuro Refeitório, foi muito importante para o negócio. Foi lá que Ariel montou as primeiras seis torneiras e o restaurante hoje em dia só trabalha com vinho da torneira.

Um modelo “muito simples”, que não obriga a ter cozinha, e vive sobretudo de duas coisas: de as pessoas se sentirem em casa e da relação do bar com quem produz o vinho. “Não queremos contar a nossa história, queremos contar a deles. Todo o projecto nasceu dessa relação com os produtores.”

Na inauguração do Tão Longe, Tão Perto, estiveram os produtores com vinhos nas torneiras do bar: Textura Wines (Dão), Vinhos à Parte (Trás-os-Montes, Dão, Lisboa e Península de Setúbal), Tubarão Vinhos (Verdes), Quinta do Javali e Vinhos Pormenor (Douro) Paulo Pimenta
Os jarros do Tão Longe, Tão Perto têm uma escala medidora 'impressa' no vidro e ajudam na hora de tirar o vinho da torneira; há diferentes preços consoante a quantidade, a partir de 100 ml Paulo Pimenta
Os "growlers", as garrafas de vidro escuro reutilizáveis que quem vai ao Tão Longe, Tão Perto pode levar para casa,Os "growlers", as garrafas de vidro escuro reutilizáveis que quem vai ao Tão Longe, Tão Perto pode levar para casa Paulo Pimenta
A par dos vinhos de intervenção mínima, no Tão Longe, Tão Perto, também há queijos, enchidos, pão e outras maravilhas que se enquadram no conceito sustentável do bar Paulo Pimenta
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Na inauguração do Tão Longe, Tão Perto, estiveram os produtores com vinhos nas torneiras do bar: Textura Wines (Dão), Vinhos à Parte (Trás-os-Montes, Dão, Lisboa e Península de Setúbal), Tubarão Vinhos (Verdes), Quinta do Javali e Vinhos Pormenor (Douro) Paulo Pimenta

Na inauguração, há cerca de uma semana, o Tão Longe, Tão Perto de Gaia convidou os produtores dos vinhos que estão de momento nas torneiras (dois tintos, dois brancos, um rosé e um orange wine). Textura Wines (Dão), do casal de brasileiros Marcelo Villela de Araújo e Patrícia Berardi (também ela especialista em sustentabilidade, em concreto economia circular), e um projecto que destacámos na última Fugas Especial Vinhos; Vinhos Pormenor (Douro), de Pedro Coelho; Vinhos à Parte (Trás-os-Montes, Dão, Lisboa e Península de Setúbal, onde fica a adega), do trio Diogo Yebra (sommelier no JNcQUOI), Guilherme Maia e Luís Formiga; Quinta do Javali (Douro), produtor de vinhos desde 1982, que, em 2015, reconverteu a totalidade das suas vinhas para biológico e começou a fazer experiências enológicas como a que têm para prova no bar de Gaia; e Tubarão Vinhos (Verdes), de Ricardo Garrido, com vinhas nas masseiras da Aguçadoura e em Paredes.

Produções pequenas a médias (entre 10.500 e 100.000 garrafas/ano), já bem sérias, com vinhos bem feitos e feitos sem obedecer a regras estabelecidas; originais no nariz e na boca. Conta Carol que o trio do Tão Longe, Tão Perto passou “um ano a visitar produtores e a conversar com eles”. E declara: “Está a ser a realização de um sonho”.

O resultado é então uma oferta de vinhos, sempre referências exclusivas para o bar, “de qualidade, a um preço justo e ainda por cima num formato supersustentável”, atalha Ariel. A saber: jarro (para consumo no local) com medidor impresso no vidro, a partir de 3,5 euros (preço para 100 mililitros); os growlers de 500 mililitros, entre 11,5 e 15 euros (formato para levar, em que há que somar os 5 euros da garrafa, que traz um código QR com ligação a instruções de lavagem e cuja a ideia é voltar a encher); e a garrafa de litro, entre 21 e 27 euros (idem). A ideia, de resto, é de que os vinhos na prateleira (engarrafado) e nas torneiras vão mudando; essa pesquisa continua.

“Quem nos apresentou os vinhos foi o Ariel. A gente foi para Mendoza e aí era vinho o dia inteiro. Ficou muito fácil. No ano passado, o Ariel veio cá, onde nós já vivíamos, para o aniversário dele, e começámos a falar da estrutura que ele tinha lá em São Paulo. Fiquei superentusiasmado e achei que fazia total sentido”, conta o cunhado Carlos, que nos últimos cinco anos dedicou o tempo, que tinha livre do trabalho, para “aprofundar conhecimento na área do vinho” e frequentou, inclusive, a escola de gastronomia Le Cordon Bleu em São Paulo. Uma bagagem que ajuda agora na pesquisa de outros produtos. Para além do vinho — e no Tão Longe, Tão Perto também há vinho engarrafado, embora sempre seguindo a lógica da intervenção mínima na enologia e da produção sustentável —, também há queijos, enchidos, pão, e outras maravilhas que se enquadram no conceito de logística leve.

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São seis os vinhos que o Tão Longe, Tão Perto tem disponíveis nas torneiras; conceito nasceu no Brasil, onde um dos sócios tem o primeiro espaço em S. Paulo Paulo Pimenta
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O primeiro bar Tão Longe, Tão Perto abriu há um ano e dois meses no bairro da Barra Funda, S. Paulo; agora o conceito chegou ao Porto Paulo Pimenta

Os queijos são da Ponte dos Cavalheiros, um produtor pequeno de Gouveia, na Serra da Estrela. A tábua inclui queijos de ovelha (normal e curado) e de mistura (ovelha e cabra) e custa 15 euros. Os enchidos, de porco preto, chegam da alentejana Absoluto, com a tábua (17 euros) a incluir presunto, paiola, chouriço e salsichão curados e caña do lombo — por 19 euros, há uma tábua mista. O pão de massa mãe é feito na padaria artesanal Madan, do outro lado do rio, na Foz do Douro. E na calha está a parceria com um produtor de cidra artesanal.

“Fechar o ciclo dos produtos” e “democratizar” o vinho (no Brasil, a bebida em si mesma; por cá, o “vinho artesanal”), resume Ariel. “Um sonho” bonito, que soube ultrapassar a resistência inicial de um ou outro produtor — “então, agora, vamos vender vinho de pacote?” — e que tem tudo para vencer a eventual resistência de alguns enófilos.

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