I Am: Céline Dion, mais do que um elogio ao estrelato, retrata a queda de uma estrela

Um documentário sobre uma artista de projecção global poderia ser um hino à sua carreira. Mas a cantora canadiana não se coíbe de mostrar o outro lado: de quando a estrela ameaça apagar-se.

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Céline Dion durante a cerimónia de entrega dos prémios Bambi 2012, em Düsseldorf, Alemanha Lisi Niesner/REUTERS/Arquivo
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Cabelos grisalhos, muitas vezes sem maquilhagem, a dar de comer ao cão Bear (que, entretanto, morreu, entre as filmagens e o lançamento do documentário) ou a aspirar o chão. A Céline Dion de I Am: Céline Dion não é o que muitos poderiam esperar, tendo em conta a projecção global da artista, que soma prémios e recordes do Guinness (foi a mulher mais bem paga da indústria em 1998, no ano seguinte à estreia do Titanic e do tema My heart will go on). Também não é um documentário apenas sobre a doença que a roubou aos palcos e lhe impede de atingir as notas altas pelas quais se destacou. É antes um retrato cru do envelhecimento, que atinge qualquer artista, e do declínio de uma grande estrela.

Realizado pela canadiana Irene Taylor, nomeada para um Óscar por The Final Inch, sobre como a poliomielite continua a incapacitar pessoas em locais onde a vacina não chega, o documentário, que pode ser visto, desde esta semana, no serviço de streaming Amazon Prime, mostra Céline desde que soube do diagnóstico de síndrome da pessoa rígida (SPR), uma doença neurológica auto-imune rara que pode causar espasmos e rigidez muscular, recusando-se a mascarar as consequências, sem que, porém, caia na armadilha de ser um objecto de auto comiseração.

O auge está lá, com algumas viagens ao passado, nomeadamente com videoclips, mas o que mais interessa é o presente, no qual Céline se esforça para recuperar a capacidade de projectar a sua voz. É que, explica a artista, a doença, além de lhe dificultar a marcha ou o equilíbrio, destruiu-lhe a voz. E, assumindo a sua fragilidade, explica como — a rigidez do seu peito faz com que não consiga usar os seus pulmões plenamente — e exemplifica, com uma interpretação confrangedora do tema dos Foreigner I wanna know what love is, ao longo da qual falha uma série de notas. E, no fim, chora: “É muito difícil, para mim, mostrar-vos isto.”

Outro momento difícil é quando, depois de conseguir que a sua voz colabore, o que a deixa esfusiante, a cantora entra em convulsão, com uma série de espasmos, que a obrigam a permanecer praticamente inerte. Terá sido a excitação que provocou o episódio, explica o seu terapeuta de medicina desportiva. O que se revela um problema em cima de outro: como evitar a excitação quando um obstáculo é transposto?

Além de se focar no presente, o documentário contextualiza a sua condição física. Afinal, os sintomas de SPR já se faziam sentir, ainda que timidamente, ao longo das últimas duas décadas. Por isso, por vezes, estendia o microfone para o público numa nota mais difícil. Até que deixou de resultar e Céline Dion obrigou-se a afastar-se dos palcos: inicialmente, dando algumas desculpas relacionadas com a sua saúde; depois, por fim, com o anúncio do diagnóstico, em Dezembro de 2022.

No fim, há uma nota de esperança: “Se não puder correr, ando. Se não puder andar, rastejo. Mas não vou parar”, declara a artista, que está a planear um regresso, com um espectáculo a ser preparado para Las Vegas. Mas, o documentário não nos tenta iludir: a Céline Dion que ainda poderá regressar não será a Céline Dion que, com voz de mezzo-soprano, atingia três oitavas.

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