Conferência de Bona: o campo de batalha do financiamento climático global

O financiamento climático nas negociações internacionais transformou-se num campo de batalha, um testemunho gritante de anos de negligência e engano por parte dos países desenvolvidos.

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Megafone P3: Conferência de Bona: o campo de batalha do financiamento climático global MAURI RATILAINEN / EPA
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"Estas declarações gerais não acrescentam valor, incluindo a que estou a fazer agora": quem diria que estas palavras seriam ouvidas no dia final da conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas em Bona, na Alemanha?

Foram duas semanas intensas de negociações, protestos, reuniões e pressão política, que culminaram em impasse e polarização profunda. Estando nós a meio da década mais crítica para a ação climática, o facto de não se ter conseguido avançar significativamente nas negociações sobre os objetivos de financiamento climático e aumento de ambição demonstra uma desconexão total com a urgência de travar esta crise.

No que diz respeito à nova meta quantificada coletiva de financiamento climático (NCQG), um dos tópicos mais debatidos no âmbito das negociações, não foi apresentada nenhuma quantia pelos países desenvolvidos, e questões fulcrais quanto ao tipo de financiamento e à forma como este seria gerido permanecem por resolver.

Diante de um texto de negociação inicial de 63 páginas, que reunia de forma abrangente as diversas opiniões e propostas dos diferentes países sobre o NCQG, várias sessões realizadas ao longo da conferência procuraram simplificar e limar as opções que serão apresentadas na COP29, onde se espera finalmente tomar decisões acerca desta meta. O documento foi reduzido de 63 para 45 páginas e, por fim, para 35.

Ao longo deste processo, os países em desenvolvimento manifestaram sérias preocupações quanto ao desequilíbrio no texto, sublinhando que este não refletia de forma adequada as suas reiteradas exigências de reconhecimento da responsabilidade histórica, da equidade e do princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades.

A dinâmica Norte-Sul Global foi clara e constante: os países em desenvolvimento, particularmente os grupos de negociação AOSIS (Aliança dos Pequenos Estados Insulares), LDCs (Países Menos Desenvolvidos) e AGN (Grupo de África), fizeram pressão constante para compromissos financeiros substanciais e direcionados, destacando as suas vulnerabilidades únicas e contribuições mínimas para as emissões globais.

Para alcançar uma ação climática ambiciosa e alinhada com as contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) de 1.5°C, os países desenvolvidos devem disponibilizar milhões de milhões em financiamento público para os países em desenvolvimento. Porém, e apesar do financiamento climático ser fundamental e uma obrigação legal ao abrigo do Acordo de Paris e da Convenção do Clima, estes países continuam a recusar-se a discutir abertamente quanto dinheiro estão dispostos a fornecer.

A necessidade de um acesso eficiente ao financiamento e da priorização de subvenções em vez de empréstimos foi repetidamente enfatizada pela sociedade civil e pelos países mais vulneráveis. Afinal, se o financiamento climático for predominantemente feito através de empréstimos, acabará por exacerbar as desigualdades existentes e dificultar o desenvolvimento sustentável, quando o seu objetivo deve ser capacitar as comunidades mais vulneráveis sem as sobrecarregar com dívidas. Adicionalmente, o NCQG deve incluir apoios para perdas e danos, para além de mitigação e adaptação, idealmente com metas separadas e quantitativas para cada área. Desta forma, será possível garantir que cada uma recebe os recursos dedicados e o foco necessários, proporcionando clareza, transparência e responsabilização nos compromissos financeiros, e maximizando a sua eficácia. Sem isto, não haverá progresso real nas negociações, pois não é qualquer tipo de financiamento que resolverá o problema — é crucial que o financiamento seja justo e que o Norte Global pague a sua dívida climática, fundamentada na responsabilidade histórica para com o Sul Global.

Outro tema controverso foi a questão de quem deve assumir a responsabilidade pelo financiamento. Enquanto o Norte Global debate a expansão da base original de países contribuintes, o artigo 9 do Acordo de Paris reitera que os países desenvolvidos têm a obrigação de fornecer recursos financeiros aos países em desenvolvimento, incentivando os restantes a oferecer apoio voluntariamente. Não podemos permitir que a tentativa de reabertura desta discussão impeça os países desenvolvidos de se comprometerem com metas ambiciosas. O NCQG não pode ficar refém do debate sobre a base de contribuintes, podendo isso distrair e até mesmo colapsar as negociações.

Os países em desenvolvimento lideraram com propostas específicas, mas as grandes discordâncias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre a quantidade necessária de financiamento, a sua origem, base de contribuintes e objetivos temáticos paralisaram qualquer possibilidade de avanço substancial. É necessário romper este ciclo vicioso de estratégias de desvio.

O financiamento climático nas negociações internacionais transformou-se num campo de batalha, um testemunho gritante de anos de negligência e engano por parte dos países desenvolvidos, que continuam a transferir os encargos para os ombros daqueles que menos contribuíram para esta crise. Há mais do que dinheiro suficiente, está é a ser direcionado para as coisas erradas.

Agora será preparado um resumo das sessões e uma nova versão do texto de negociação para discussão na próxima sessão, agendada para Outubro. Até lá, os países poderão fazer novas submissões, atualizando as suas propostas. Seguimos assim em direção à COP29, onde os principais resultados esperados estão relacionados principalmente com o NCQG, mas também com o avanço do fundo para perdas e danos (aprovado na COP28), a preparação de novas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), o progresso dos indicadores para o objetivo global de adaptação e o artigo 6 sobre mercados de carbono.

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