Quem paga pela acção climática? Negociações em Bona deixam trabalho duro para a COP29 em Bacu

Reunião que prepara as negociações da Cimeira do Clima das Nações Unidas conclui debates sobre financiamento sem entendimento sobre o montante nem acordo sobre quem paga (e sob que condições).

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Os países em desenvolvimento não pedem apenas generosidade dos mais ricos, mas acima de tudo responsabilidade dos que mais poluem Earth Negotiations Bulletin
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Longe dos holofotes das cimeiras do clima (COP), a 60.ª Sessão dos Órgãos Subsidiários (SB60) da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC) em Bona, que este ano teve lugar entre 3 e 13 de Junho, é o lugar onde é feito muito do trabalho de formiguinha que lança a base para as decisões tomadas no final do ano – e, sim, esta é uma história com muitas siglas pelo meio.

Mas com as reuniões de Primavera prestes a terminar, os países que fazem parte da UNFCCC continuam ainda muito divididos em geral, mas também em particular quanto ao Novo Objectivo Colectivo Quantificado (NCQG) de financiamento para a acção climática, que deverá dominar a agenda da COP29, a Cimeira do Clima que terá lugar em Bacu, no Azerbaijão, em Novembro.

Está quase tudo por definir sobre o novo objectivo de financiamento, que substitui a meta de 100 mil milhões de dólares (cerca de 92,3 mil milhões de euros) estabelecida em 2009, em Copenhaga: de quem virá o dinheiro, como e quando os países em desenvolvimento o receberão, para que fins poderão pedi-lo e quais serão os mecanismos de transparência e reporte. E, claro, a grande questão: o montante em causa, o “quantum”.

Empréstimo ou doações?

Um estudo do think tank Climate Policy Initiative, publicado em Maio, estima que as necessidades de financiamento climático podem chegar a 8,5 biliões de dólares (7,8 biliões de euros) em 2030 quase 1,5 biliões de dólares por ano.

“Milhares de milhões de dólares não são suficientes. Precisamos de biliões em financiamento público baseado em empréstimos concessionais para fazer face a esta crise climática”, sublinhou Marina Guião, da YOUNGO, o grupo que representa os jovens nas discussões climáticas da ONU. Numa conferência de imprensa da Campanha Global para Exigir Justiça Climática (DCJ), a jovem brasileira estudante em Portugal apelava a uma resposta robusta para “as necessidades reais de países em desenvolvimento e comunidades vulneráveis”.

No entanto, não é apenas a quantidade que importa. Os países em desenvolvimento insistem no chamado “financiamento concessional” – doações (grants), em vez de empréstimos sob condições de mercado , que não se convertam num fardo de dívida para essas nações. Em causa está uma questão antiga das negociações climáticas: os países em desenvolvimento não pedem apenas generosidade dos mais ricos, mas acima de tudo (e cada vez mais) responsabilidade.

A negociadora colombiana Sofia Vargas-Lozada, assessora de financiamento climático e de biodiversidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Colômbia, recordou que, de acordo com dados da OCDE, mais de 80% do financiamento climático que a Colômbia recebe são empréstimos. “Essa é a história de muitos países em desenvolvimento. Os países estão a receber financiamento climático a taxas de mercado. E como as agências de risco estão a punir os países que querem abandonar a exploração de combustíveis fósseis, como a Colômbia, os países em desenvolvimento têm de decidir se vão pagar as suas dívidas ou seguir para um desenvolvimento sustentável.”

Empurrar com a barriga

A 3 de Junho, a versão inicial do texto do NCQG, que serviu de base às negociações, tinha 63 páginas e 654 parágrafos. Ao final da primeira semana, a proposta tinha sido condensada em 45 páginas e 521 parágrafos. Na terça-feira, teve lugar a última ronda de negociações sobre o texto, e ainda havia países a fazer reivindicações contraditórias. Uma nova versão consolidada do texto deverá estar pronta apenas no final do Verão. “Dêem-nos menos texto, mas não menos substância”, apelou a representante da Austrália, numa intervenção dura.

Gaia Larsen, responsável pelas análises sobre acesso a financiamento climático do think tank World Resources Institute, faz notar que “os delegados em Bona fizeram bons progressos a cortar o texto de negociação para o novo objectivo de financiamento do clima, mas todo este trabalho pouco contribuiu para criar consenso em torno das questões mais controversas”. Ao longo das negociações, descreve, os negociadores “continuaram a reiterar pontos de vista opostos sobre as questões mais importantes”.

Numa conferência de imprensa organizada pelo think tank E3G, o especialista em diplomacia climática Tom Evans comentou: [Parecemos estar] a um mundo de distância de onde estávamos no Dubai.” Foi quando se acordou o Balanço Global (Global Stocktake, ou GST) e havia algum entusiasmo com a referência, pela primeira vez, à necessidade de abandonar os combustíveis fósseis. No ar fica a dúvida sobre que países vão começar por avançar com objectivos ambiciosos para as suas novas contribuições nacionalmente determinadas (NDC), cuja proposta deve estar pronta em 2025.

“O grande número de questões não resolvidas prepara-nos para duas semanas agitadas em Bacu”, remata Gaia Larsen. “Apelamos aos países para que aproveitem todas as oportunidades nos meses que antecedem a COP29 para lançar as bases de um novo objectivo ambicioso, mas realista, de financiamento do clima que responda às necessidades dos países em desenvolvimento.”

Quem deve pagar?

O bloco de países mais ricos – EUA, Reino Unido, União Europeia (actualmente o maior financiador climático a nível mundial), Austrália e Noruega tem-se manifestado a favor da inclusão da China e alguns países do Médio Oriente como contribuintes do NCQG.

Isto, porque a classificação da UNFCCC que identifica quais são os países ricos (que consta no Anexo 1 da convenção) não foi alterada nos mais de 30 anos em que esteve em vigor, deixando de fora as grandes economias emergentes e outras com elevadas emissões de gases com efeito de estufa e elevados níveis altos de riqueza per capita (apesar de nem sempre acompanhados por desenvolvimento sustentável para as populações).

Estes países, contudo, rejeitam o alargamento da base de países contribuintes do NCQG, assim como qualquer limitação da base de beneficiários.

Estes desentendimentos, porém, parecem fúteis perante a urgência da acção climática. “As recentes inundações no Brasil e no Quénia e as ondas de calor mortíferas na Índia mostram como os acordos alcançados nas negociações da ONU sobre o clima podem ter consequências directas na vida e nos meios de subsistência das pessoas”, afirma Gaia Larsen. “Um resultado sólido em Bacu proporcionará financiamento vital para ajudar os países vulneráveis a prepararem-se melhor para fenómenos meteorológicos cada vez mais graves.”

Ana Mulio Alvarez, especialista do E3G sobre políticas de adaptação, realça ainda que estas negociações decorrem num cenário delicado a nível geopolítico, com eleições e cenários de guerra que têm trazido incerteza e desconfiança quanto às prioridades políticas, alianças e capacidade dos países de assumirem compromissos internacionais. “Mas continuo optimista”, afirma a analista. “Onde há vontade política, há um caminho. E tenho esperança de que exista essa vontade.”

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