Na noite de São João, a tradição também se faz jovem

Dos corações mais velhos aos mais jovens, a alma dos Santos Populares mantém-se viva numa Invicta cheia de turistas. Na noite de São João, não faltaram martelos e sorrisos a cada esquina.

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Os fogos-de-artifício trouxeram cor ao céu do Porto MANUEL FERNANDO ARAÚJO / LUSA
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O som dos martelos de São João anunciava o início da noite mais longa do Porto. Quem saía à rua na Invicta, ao fim da tarde deste domingo, deparava-se com um cenário pintado pelas cores dos brinquedos característicos dos Santos Populares, entre os sorrisos de muitos grupos de turistas.

Da Avenida dos Aliados à Cordoaria, não faltava quem vendesse os famosos martelinhos. Era nesta última que Conceição Ramos, de 67 anos, se encontrava. Contou que os vende sempre na zona do jardim da Cordoaria há tantos anos que nem consegue precisar. “Já há uns bons largos!”

Apesar do avultado número de pessoas a martelar cabeças alheias pelas ruas portuenses, Conceição pensa que a tradição de comprar os brinquedos está a cair em desuso. A vendedora afirma que as pessoas “só vêm para beber”. “Então os turistas nem sabem o que é que é um martelo”, lamenta.

Sobre a importância de manter viva a tradição numa época alta de turismo na cidade, Conceição não deixa margem para questionamentos. “Sem dúvida!”, diz, acrescentando que “eles [os turistas] deviam estar mais elucidados do que é a situação aqui [o São João]”.

À medida que a noite caía, e com sardinhas acabadas de sair dos assadores espalhados pelas várias ruas, as aglomerações começavam a dispersar-se. Cada um seguia o seu rumo, à procura do entretenimento ambicionado.

Uma "energia única"

O relógio marcava 21h30 quando, na Casa da Música, grupos tímidos de variadas idades se juntavam, sentados no chão, para aguardarem os espectáculos musicais que se seguiam. Foi com Hipster Pimba que, às 22h00, o palco abriu e o público encheu o local, dançando ao som de “clássicos” da música popular portuguesa, como o típico Baile de Verão de José Malhoa, ao mesmo tempo em que já começavam a ver-se no céu os primeiros balões de São João da noite.

O mais aguardado pelos jovens que se dirigiram à Boavista chegou, no entanto, mais tarde. O conjunto musical tributo a José Pinhal, José Pinhal Post-Mortem Experience, fez-se ouvir às 23h00 e conquistou a audiência expectante com músicas como Tu És a Que Eu Quero (Tu Não Prendas o Cabelo), Magia (Bola de Cristal Mentia), entre outras.

Gonçalo Teixeira, de 19 anos, diz-se um “enorme fã do projecto original do José Pinhal”. “Acho que foi extremamente revolucionário na música popular portuguesa”, afirma o jovem, que veio da Póvoa de Varzim comemorar os Santos Populares.

O que o traz ao Porto para festejar o São João “desde que se lembra” passa pela “energia única” da data. “A energia criada neste dia de São João no Porto é algo único e acho que é uma bênção as pessoas poderem experienciar. O facto de ser uma vez ao ano, acho mesmo que é um evento imperdível para qualquer pessoa das redondezas”, refere o jovem.

O elevado número de turistas não incomoda Gonçalo, que acredita que “o espírito local prevalece”. “Mesmo que haja mais presença de turistas e pessoas que não fazem parte da comunidade, acho bonito também o esforço que as pessoas acabam por fazer para se embrenharem, manterem a cultura viva e enaltecê-la ainda mais”, conclui o jovem.

Mártires da Liberdade: uma "representação do espírito portuense"

Mal os ponteiros batem a meia-noite, os sons do fogo-de-artifício ecoam na cidade. O espectáculo de luzes chega pontual como sempre, mas para quem segue pela rua dos Mártires da Liberdade a exibição passa despercebida.

A rua estreita, com muitos bares, encontrava-se sobrelotada. A música de ritmo latino fazia-se ouvir e vários grupos ocupavam os recantos enquanto dançavam e faziam uso dos seus martelos. Assim que era possível avistar os faróis de um carro que tentava realizar o percurso, as pessoas afastavam-se para desocupar a estrada e, com sorrisos, “abençoavam” o veículo com os seus martelinhos.

No meio da multidão, encontrava-se Sofia Turyanska. A jovem portuguesa de 20 anos tem ascendência ucraniana e confessa que o São João não lhe diz muito, tendo tido o seu primeiro contacto com a festividade na escola. “O São João foi-me apresentado através da escola e sinto que o ensino apresenta muito bem o São João. Por exemplo, com a minha irmã Mariana, do infantário, eles também têm um São João”, explica.

“Para mim, celebrar, especialmente no Porto, é sempre uma celebração de comunidade e, felizmente, o Porto é ainda uma cidade da comunidade. O São João é uma daquelas festividades que trazem a comunidade e o espírito portuense e, portanto, para mim, esta rua é simplesmente uma representação disso, do espírito portuense”, esclarece a jovem.

Com o decorrer das horas, quem ainda festejava pelas ruas, procurando prolongar a noite, fundia-se com os que buscavam o transporte mais próximo para conseguir regressar a casa. A banda sonora dos que se dirigiam à estação de metro ou paragem de autocarro predilecta dava-se com os já embriagados cânticos de quem personificava Rui Veloso. A noite mais longa do Porto acaba onde começou, na Cordoaria, com o famoso anel de rubi como protagonista.

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