Portugal entra no quadro de excelência do Euro 2024
Exibição convincente, em Dortmund, está entre as melhores do torneio e valeu não só o triunfo sobre a Turquia, mas o apuramento para os oitavos-de-final.
Entram dois alunos na sala de aula para uma avaliação oral, ambos com a matéria estudada. Um consegue lidar com as perguntas e com o olhar crítico dos professores, o outro sucumbe ao medo cénico e bloqueia, perde-se no labirinto da memória. Foi mais ou menos isto que aconteceu neste sábado, em Dortmund, onde Portugal venceu a Turquia (3-0) e garantiu, desde logo, o apuramento para os oitavos-de-final do Euro 2024. Os mínimos estão cumpridos, pode vir o resto.
Desta vez, as maiores surpresas saídas do túnel de acesso ao relvado estavam do lado do adversário. Troca de guarda-redes, troca de lateral direito e, mais do que tudo, Arda Guler e Kenan Yildiz, coqueluches com acne da selecção turca, no banco de suplentes. Resultado? Um “onze” com mais operários, com menos fantasia, com maior possibilidade de controlo dos espaços sem bola. Um sinal de que percebiam as dificuldades que iam encontrar.
No plano de jogo, esse “respeito” por Portugal também se tornou claro na forma como a Turquia (disposta em 4x2x3x1) evitava pressionar a última linha, deixando sempre Yilmaz e Kokçu, os elementos mais adiantados, a meio do meio-campo ofensivo para tentar cobrir o corredor central. Do outro lado, a recuperação do tridente a meio-campo (4x3x3), com Palhinha a esticar os tentáculos sem bola, permitia manietar o rival no corredor central e dar mais liberdade a Vitinha e Bruno Fernandes para usarem o compasso.
Tinham decorrido apenas 71 segundos de jogo e já Portugal saía a três toques para o ataque e criava perigo. A Turquia, que aparentemente até tinha estudado a lição, começou logo aí a acumular dúvidas. Manter a contenção a esta altura do campo ou baixar linhas? Tentar roubar a bola ou apenas forçar o erro? Não aconteceu nem uma coisa, nem outra. Limitou-se a esperar pelo erro do adversário e isso era pouco mais que uma utopia.
Esse foi também um dos grandes méritos da selecção portuguesa, a paciência que mostrou na circulação, sem sentir a necessidade de mostrar aos avaliadores que sabia tudo de uma vez. A bola andou muitas vezes pela linha defensiva, Diogo Costa incluído, numa tentativa de acenar com o queijo e montar a ratoeira para a ousadia dos turcos, que não foram nesse engodo, mas caíram noutros.
Com Leão aberto de um lado, Bernardo do outro, Bruno Fernandes em zonas de definição e Cristiano Ronaldo a arrastar muitas vezes a marcação, caindo para os corredores para criar espaços de penetração, Portugal tomou conta do jogo. Com naturalidade, sem precipitações, como se soubesse que o golo haveria de chegar, como chegou. Foi aos 22’, fruto de uma combinação entre Leão e Mendes no corredor esquerdo, a que Bernardo Silva, no centro da área, deu o melhor seguimento.
Mais do que expectável, era justo. A primeira de três partes do exame estava resolvida e a confiança que veio com ela empurrou Portugal para uma prestação fluente, sem gaguejar, sem falhas de memória. A pressão sobre o portador da bola intensificou-se, até porque jogo de pés do guarda-redes Bayndir é sofrível, e as oportunidades foram surgindo à medida que os lapsos turcos se acumulavam. Aos 28’, o maior de todos: Cancelo e Ronaldo não se entenderam no ataque, mas Akaydin e Bayndir também não e a jogada terminou em autogolo.
A falange de apoio turca, que quase se fazia ouvir em Istambul no início do jogo, subitamente era suplantada pelos resistentes portugueses nas bancadas. E nem os raides de Akturkoglu, um dos mais inconformados, ou as tentativas da Turquia de atacar a profundidade em espaços curtos pareciam suficientes para relançar a chama.
Roberto Martínez sentia que o vento soprava a favor e, ao intervalo, trocou os amarelos de João Palhinha e Rafael Leão pela estreia de Ruben Neves e por mais minutos para Pedro Neto. E logo aos 47’ o assunto poderia ter ficado definitivamente arrumado, não fosse o passe de Vitinha para isolar Bruno Fernandes ter ficado curto. O que não falhou mesmo foi a assistência de Ronaldo para um dos golos mais fáceis da carreira de Bruno Fernandes (56’), depois de um erro de palmatória dos centrais turcos ter estendido a passadeira ao capitão português.
Vincenzo Montella lá decidiu então arriscar um pouco, lançando primeiro Yildiz e depois Guler. Mas já era tarde. Portugal, com os professores totalmente rendidos na sala de aula, poupou algumas palavras (e esforço) e alterou um pouco a estratégia, procurando sair em transições rápidas quando percebeu que a preocupação maior do adversário era dar um prémio de consolação aos adeptos. Um momento do jogo que serviu também para testar a organização defensiva de uma equipa que ainda trocou Cancelo por Nelson Semedo e Pepe por António Silva no sector.
Em rigor, o 4-0 esteve sempre mais perto que o 3-1, especialmente em dois ataques que terminaram com movimentos de ruptura de Bernardo Silva na área, mas já sem o pulmão necessário para definir o lance que Ronaldo, pelo trabalho sem bola que se propôs levar a cabo, fez por merecer finalizar.
Só que, enquanto estiver no relvado, com ou sem golos, Cristiano Ronaldo será sempre o centro das atenções. Aos 69’, uma invasão individual de campo, com direito a paragem e selfie. Aos 81’ a mesma coisa, já sem direito a fotografia, e no tempo de compensação um novo incidente, para vergonha da UEFA — e dos prevaricadores, claro está —, que neste sábado mereceu um chumbo em matéria de prevenção. Já Portugal, pelo contrário, saiu com o diploma na mão. Venha a próxima cadeira.