Do Douro, bons ventos e bom casamento

Este Casa Velha Samarrinho 2023 não é só um vinho de uma casta rara, simboliza o trabalho que a Cooperativa de Favaios tem vindo a fazer para ter vinhas e vinhos mais diversos no planalto.

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O director de enologia da Cooperativa de Favaios é também associado da adega, Miguel Ferreira tem a primeira vinha de Samarrinho e é dela que sai este original branco do planalto Direitos Reservados
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Não é só um vinho de uma casta rara. São boas novas aquilo que nos chega do Douro, e em concreto do planalto de Favaios, neste Casa Velha Samarrinho 2023. São boas novas porque o vinho é francamente bom, e original, porque ali para os lados de Alijó os ventos sopram de feição a produtor e viticultores, porque o bom exemplo nos chega de uma adega cooperativa e porque o casamento, entre aquele terroir — berço do Moscatel do Douro e com um potencial que todos dizem ser enorme para os vinhos brancos — e as gentes que (também) o fazem, é feliz e está aí para durar.

O interessante e invejável projecto da Adega Cooperativa de Favaios para a diversificação das castas brancas plantadas pelos associados tem já 23 anos. Já nasceu pelas mãos dos actuais enólogos — dois deles, pelo menos, e na altura ainda com Celso Pereira a bordo — e tinha como objectivo "tornar a adega menos dependente dos vinhos fortificados”, como explica o director de enologia, Miguel Ferreira. Note-se que Favaios é o principal produtor de moscatéis na região demarcada do Douro (80%) e líder no mercado nacional (52%).

A revolução silenciosa começou com o Gouveio. Depois vieram o Arinto, o Rabigato e o Gouveio-Real. E, mais recentemente, o Samarrinho e o Donzelinho Branco. Com os viticultores a serem mais bem pagos por estas uvas (em 2023, 1,10 a 1,20 euros por quilo, por oposição aos 90 cêntimos a que foi pago o Moscatel Galego Branco).

Numa primeira fase, a cooperativa fundada em 1952 tratou de incentivar os seus associados — hoje, cerca de 500 — a plantar outras castas, menos produtivas, mas enologicamente mais interessantes. Numa segunda fase, foram feitos ensaios de vinificação, de forma a conhecer castas, parcelas e micro-terroirs. Objectivo: numa terceira fase, e com a adega ampliada a pensar nos DOC Douro (obra que está em curso), poder fazer coisas especiais de parcelas especiais.

Este vinho é a segunda edição do monovarietal de Samarrinho da adega presidida por Mário Monteiro, e é feito com as uvas de “750 videiras”, “uns 2.000 metros quadrados” que dão tão-somente 1.200 garrafas. Só existe, porque, para dar o exemplo — e porque acreditava na casta, claro —, Miguel Ferreira, ele próprio associado da cooperativa, plantou uma vinha de Samarrinho.

Complexo, com camadas que não conseguimos de imediato descolar umas das outras, oferece um nariz elegante, com fruta de caroço (damasco) e um lado tropical — como acontece com o Gouveio do planalto, de resto —, que surgem mesclados com um aroma mais vegetal que faz lembrar um bosquete. Na boca, é equilibrado, tem estrutura, frescura e tanino. Sim, tanino.

Antes de fermentar, o mosto foi submetido a uma maceração longa (72 horas). E o enólogo ainda arrisca mais uma explicação. Na última campanha houve uma tempestade de granizo que atingiu o planalto e as plantas podem ter feito o que fazem quando são agredidas: produziram mais polifenóis para “cicatrizarem as feridas”.

“Principalmente, foi pela raridade da casta e porque não queríamos vê-la desaparecer”, sublinhou, numa prova online — um formato interessante, que parece estar na moda; só esperamos não substitua outro tipo de interacção com os jornalistas —, Miguel Ferreira. A confirmação de que o Samarrinho dava um vinho de qualidade acima da média, muito fresco e complexo veio depois.

Este só foi ao inox, não viu barrica, porque as “ferramentas para explicar” — leia-se, a área de vinha de Samarrinho — ainda são escassas e, como tal, a opção, tal como nos outros varietais, foi por uma enologia de intervenção mínima. Para mostrar o terroir, a casta e a sua expressão naquele.

Ao que parece, o Samarrinho dá um trabalho dos diabos na vinha, não fica ‘penteado’ (não é à toa que se contam pelos dedos de uma mão os vinhos desta variedade), mas conserva lindamente a acidez, mesmo nos verões mais quentes, apresentando-se também como ferramenta de adaptação às alterações climáticas. Sobre a sua rebeldia no arame, é de recordar que a Touriga Nacional também é difícil de conduzir e não é menos plantada por isso!

Nome Casa Velha Samarrinho Branco 2023

Produtor Adega Cooperativa de Favaios

Castas Samarrinho

Região Douro

Grau alcoólico 13%

Preço (euros) 11,50

Pontuação 92

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova Vinho que tem origem em apenas 750 videiras da casta Samarrinho e que é o melhor exemplo da diversificação na vinha e na adega que a Cooperativa de Favaios tem vindo a promover nas últimas duas décadas. Complexo, com um nariz elegante, com fruta de caroço (damasco) e um lado tropical, que surgem mesclados com um aroma mais vegetal que faz lembrar um bosquete, na boca, é um vinho equilibrado, com estrutura, frescura e tanino. Francamente bom e original.

Origem Cima Corgo (D)

Tipo Branco

Designativo

Ano 2023

Características Sem madeira / Unoaked

Harmonização Peixe

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