Jornalistas: era uma vez uma classe ao abandono

É preciso que de dentro para fora, sejam os/as próprios/as jornalistas a querer dar voz a uma crise que sempre existiu, mas que sendo crónica, está nos paliativos, a necessitar de cuidados urgentes.

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Greve e manifestacao dos trabalhadores e jornalistas da Global Media Group (GMG), em Novembro, no Porto Nelson Garrido/Arquivo
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“Ando a trabalhar para aquecer, estou quase em burnout”, lamenta Carlos, cansado de esperar que lhe paguem o vencimento, desde março. Não vai tirar férias e já disse aos filhos que vai estar a trabalhar no verão, a servir às mesas. Os jornalistas não só sofrem os mais vis ataques por parte de partidos extremistas, copiando discursos dos seus semelhantes noutros países, como são uma classe que continua a viver dias muito difíceis. Falamos também de fotojornalistas, repórteres de imagem, sem esquecer todos os que trabalham numa redação: paginadores, gráficos, administrativos, comerciais, que chegam ao final do mês, mal pagos, a recibos verdes, avençados (na melhor das hipóteses), porque ainda há quem esteja a ganhar conforme a quantidade do que produz.

Se mais de metade dos concelhos portugueses já está ou corre o risco de fazer parte do “deserto de notícias”, esta realidade profissional acima descrita não augura um futuro risonho. No passado dia 12 de junho, dois investigadores da área, Pedro Jerónimo e João Figueira debateram em Coimbra, o tema “Jornalismo Regional e Democracia, que relação?”, no âmbito das Jornadas de Ciências da Comunicação. Pedro Jerónimo alertou para o “duplo esquecimento” de que estão a ser alvo alguns territórios, nomeadamente no interior do país, onde nem governantes, nem tão pouco os media parecem atender aquelas populações.

E sobre este aspeto, recordou o artigo 37.º da Constituição, questionando onde tem estado a defesa do direito dos cidadãos “se informarem e de serem informados” de forma credível. Por sua vez, João Figueira alertou: mais do que desertos de notícias, vivemos tempos de “deserto de ideias e de diversidade” e onde ser o primeiro a dar a notícia, está a descartar o necessário desenvolvimento de um tema noticioso.

Vejamos que o facto de um concelho ter um, dois ou três órgãos de comunicação não é sinónimo de que a sua população realmente esteja informada. As autarquias já não enviam comunicados de imprensa e informam os cidadãos pelas redes sociais, e nas entrevistas pede-se que “sejam enviadas as perguntas antes”, sendo cada vez mais difícil escrutinar os diversos poderes.

A um ano das eleições autárquicas, note-se que segundo dados consultados na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), de 1 de junho de 2022 a 31 de maio de 2024, foram registados 18 novos meios de comunicação com o mesmo diretor.

A crise que os/as jornalistas, como o Carlos, estão a viver, não é de hoje, mas até nos atingir, muitos e muitas passam ao lado dos problemas alheios. Não é uma classe unida, apesar de no passado dia 14 de março, jornalistas de todo o país se terem juntado, historicamente, numa greve nacional. Precisamos de outra ação de protesto? É preciso que de dentro para fora, sejam os/as próprios/as jornalistas a querer dar voz a uma crise que sempre existiu, mas que sendo crónica, está nos paliativos, a necessitar de cuidados urgentes.

Para já, os jornalistas e o jornalismo parecem estar abandonados à sua sorte, numa altura em que mais de 70% dos portugueses estão preocupados em distinguir conteúdo verdadeiro e falso na Internet, segundo o Digital News Report Portugal 2024, produzido pelo Observatório da Comunicação (Obercom).


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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