Portugal tem política externa?

O apoio de Portugal à Ucrânia tem de exceder a nossa usual timidez internacional.

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Megafone P3: Portugal tem política externa? DAVID DEE DELGADO
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No fim do ano passado, Margus Tsahkna, ministro dos Assuntos Externos da Estónia, explicou no Guardian a miséria criada por big power politics. Contrariamente às teses neo-realistas de Kenneth Waltz, Tsahkna apontou uma série de medidas para fortalecer as Nações Unidas atribuindo igual voz aos seus diferentes membros, independentemente de tamanho e localização geográfica. Para ele, uma situação como a genocida invasão russa da Ucrânia, denunciada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), representou o último fracasso na assunção de que o equilíbrio de poder num cenário pós-Guerra Fria hipoteticamente protegeria países de expansões imperialistas.

Como parte de uma solução duradoura, o chefe da diplomacia estónia apontou para uma expansão dos poderes atribuídos à Assembleia Geral das Nações Unidas (em detrimento do Conselho de Segurança), verdadeiro órgão representativo da comunidade internacional. Notou também a necessidade que os diferentes países acreditem que as resoluções aí aprovadas tenham algum carácter vinculativo, mais que não seja, como expressão de cidadania global.

É nesta última circularidade que encontramos a diplomacia portuguesa: a ausência de protagonismo internacional de Portugal encontra-se ligada à sua postura de aceitação. Ao mérito de figuras singulares (fácil, mas erradamente associadas a uma "diplomacia portuguesa"), como António Guterres, Jorge Moreira da Silva ou António Vitorino contrapõem-se as posições tomadas por sucessivos executivos quanto às questões mais importantes do nosso tempo.

Na minha infância, durante a visita de Narendra Modi a Lisboa, recordo a perplexidade que senti perante o modo como a abundância de discussões relativas a possíveis investimentos (não concretizados) abafou questões relativas ao tratamento de populações muçulmanas pelo Samajwadi (não mencionando a regressão democrática por Modi operada na maior democracia do mundo). Sim, Portugal chamou à atenção para a complacência da Austrália com o genocídio de Suharto em Timor-Leste; mas depois retirou-se da esfera internacional. Em big power policy, tal não seria problema; porém, big power policy é o problema com o qual nos deparamos.

Líderes de executivos como Leo Varadkar e Simon Harris, Jonas Gahr Støre, e Pedro Sánchez compreenderam rapidamente a realidade descrita por Tsahkna, tomando sucessivas posições no sentido da defesa da autodeterminação do povo palestiniano perante violações de Direito Internacional, também denunciadas pelo TPI, culminando no reconhecimento do Estado da Palestina pela Irlanda, Noruega e Espanha.

Dada a proximidade da posição portuguesa à espanhola em matérias económicas, um apoio nacional seria de esperar — infelizmente, aparenta poder esperar. Como também o pode o recurso à imagem conciliadora (advinda de ausência de tomada de posições, talvez) que o país detém na União Europeia, NATO e CPLP. As três organizações foram mencionadas pelo primeiro-ministro Luís Montenegro na tomada de posse do seu executivo de modo similar aos três pilares da diplomacia britânica pré-Brexit: europeu, atlântico e conotado ao nefasto legado colonial; no entanto, sem qualquer pretensão de exceder os temas de conversa obrigatórios.

A visita do Presidente Zelenskyy a Portugal e o subsequente acordo bilateral pode representar uma muito positiva ruptura com a inexistência internacional portuguesa, projectando o país para uma muito salutar posição de destaque numa guerra que só encontra precedente na que conduziu à fundação das Nações Unidas. No seu artigo, Tsahkna menciona de passagem a libertação do seu país face ao colonialismo soviético, uma continuação do imperialismo russo.

Nos anos 80, durante as big power politics da Guerra Fria, não reconhecimento por Portugal da anexação da Estónia conduziu a uma crise política e convocaram-se eleições antecipadas. Um apoio consistente à vitória da Ucrânia conduzirá a um apoio interno transversal e à concretização do objectivo mencionado por Tsahkna. Um mundo unido não comporta uma jangada de pedra.

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