Procrastina?

Uma das coisas que mais gostava de fazer quando estava a escrever era olhar em redor e observar o que os outros estão a fazer.

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"Em cima da mesa, à frente de cada um deles, dois mapas exatamente iguais" João da Silva
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O rapaz que está sentado à minha frente vira e revira um tablet. Ora escreve, ora risca, ora traça linhas, ora faz cálculos, está atarefado, embrenhado e concentrado. Pousa o tablet, levanta o tablet, morde o lábio, franze a testa… Há tanto de físico no trabalho intelectual. Observo-o, invejo-lhe a concentração. Se tivesse metade desta capacidade de concentração, não o estaria a observar, mas a olhar para o computador que tenho à minha frente, onde há um texto a exigir-me um ponto final.

Conto os carateres: 4587. "Ponto final?", interrogo-me, olhando para o rapaz à minha frente. Não responde. Nem olha. Não dá por mim. Dedilha agora num pequeno teclado, demasiado ocupado para observar o que se passa à sua volta.

não há ocupação que me demova desta ânsia de observar.

"Ah, és um procrastinador", disse-me numa ocasião um guru do desenvolvimento pessoal quando me ouviu contar, numa conversa a quatro, que uma das coisas que mais gostava de fazer quando estava a escrever era olhar em redor e observar o que os outros estão a fazer. Perguntei-lhe o que significava procrastinador? "Ele nem sabe que o faz", comentou o guru com a mão no meu ombro, disponibilizando-se para me ajudar a resolver o problema que eu nem sabia que tinha.

procrastinar: deixar para depois, adiar.

Esclarecido, perguntei se deixar para depois é sempre uma coisa má. "Claro que é", respondeu perentório. "E se deixar para depois fizer parte daquilo que estou a fazer?", questionei. "Ah, aí já não é procrastinar, é dar tempo para que as coisas fluam, ou seja, faz parte do processo…"

pois faz.

Observo. Fascina-me o empenho, a concentração, a dedicação. As mesas da área de estudo da biblioteca estão repletas de jovens que estudam para os exames.

Na mesa onde estou, à esquerda, dois rapazes conversam em voz baixa. Em cima da mesa, à frente de cada um deles, dois mapas exatamente iguais. Um deles traça linhas no mapa com a ajuda de uma régua e um transferidor. O outro observa o mapa. Está imóvel, só observa. "Faz parte do processo", diria o outro.

pois faz.

Há mais outros dois rapazes na minha mesa. À frente têm computador, manual escolar e caderno de linhas. Assim, igualzinho. Um deles escreve no caderno. Letra muito pequena, texto compacto, sem parágrafos. Cábulas? Continuo a observá-lo. Olhou agora para mim. Dirijo os olhos para a cábula e esboço um sorriso cúmplice. Retribui o sorriso, encolhendo os ombros.

que lhe corra bem.

Na mesa do lado, observo um rapaz com a cara parcialmente coberta por um livro de bolso: Apontamentos Europa-América Explicam Camões – Os Lusíadas | Para uma melhor atuação nas aulas e uma melhor preparação para os exames.

acelerou o processo.

Rodo o pescoço para voltar a observar um rapaz que se encontra na mesa atrás de mim. Tem os braços cruzados sobre o peito. Dorme profundamente.

procrastina?

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