Sweet Soul: Os mil e um doces de Joana Quinta, a chef “gulosa de morte”
Em Leça da Palmeira, há atelier, que é um laboratório, que é uma cozinha criativa — onde são moldados doces inspirados na pastelaria tradicional francesa.
Se acredita piamente que é a pessoa mais gulosa que conhece, faça um favor a si mesmo e não se aproxime do número 75 da Rua Direita, em Leça da Palmeira. Porque a) pode ficar agarrado; b) arrisca-se a conhecer Joana Quinta, que se assume como "terrivelmente gulosa" e "dependente de doces" e a perceber que a chef está no topo desta cadeia alimentar — e pronta a aceitar qualquer desafio.
"Temos competição!", sorri Joana, 36 anos, gulosa "de morte". "Não consigo parar!", diz à Fugas com ar orgulhoso, impávido e algo maquiavélico. "A única maneira de controlar é a privação. Está aqui e não vou tocar!" Fica uns segundos à rasca quando pedimos para enumerar as suas preferências ("gosto de tudo o que é doce; o chocolate é a perdição") e nem sequer é daquelas gulosas com vergonha de assumir que a quantidade importa. "Estou a cortar um bolo de tabuleiro e ficam as aparas. Se puser o primeiro bocadinho à boca, não paro até a taça estar vazia. Não posso tocar! É até acabar! Se peco a primeira vez, limpo tudo!"
Vem "desde sempre" o vício, desde a casa dos pais, do pão-de-ló da tia Dina que Joana fazia religiosamente ao domingo — e que não passava do domingo — com o pai, que "sempre foi muito guloso", sempre comeu "um docinho ao pequeno-almoço" e que ainda hoje está "super fit" e a acompanha diariamente ao ginásio. O pão-de-ló ainda "vai para mesa e já não sai dali", assume Joana, apaixonada por bolos secos, por "um bolo de cenoura bem feito, um bolo de um fruto seco, de maçã..." "Adoro..."
Essa é uma das vantagens da marca Sweet Soul. "As pessoas chegam aqui sem saberem o que fazemos exactamente e nós encaminhamos." A chef e a sua equipa (de mais quatro pessoas polivalentes) também fazem muito trabalho de consultoria, são uma espécie de personal trainers de pessoas mais ou menos gulosas ou daqueles que procuram doces diferenciadores ou doces sem produtos processados ("sempre com muito cuidado com os rótulos e com as composições") e com quantidades de açúcar "muito inferiores" às utilizadas na pastelaria tradicional.
Numa família de economistas (mãe, pai e irmão), Joana Quinta diz que saiu "fora do baralho", apesar de entender alguma "herança genética" na sua arte, que provavelmente bebe das mãos da avó costureira ("muito trabalho manual e de precisão; cozinhava muito bem, cozinhados lentos") e do avô, marceneiro ("trabalhos minuciosos e embutidos, brinquedos no Natal, um farol com varandas, puxadores das janelas e roupinhas das camas tricotados pela avó"). Sem querer, tudo isso — o rapar do tacho do puré ou as taças com os restos da massa dos bolos secos — terá pesado na hora de escolher entre Biologia Marinha e a área da Hotelaria. Com o apoio dos pais, passou alguns períodos de férias a estagiar no Méridien e, voilà, adorou.
O currículo ajudou a moldar o seu futuro. À licenciatura em Produção Alimentar, na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, seguiram-se experiências marcantes em Barcelona (Dolç, de Yann Duytsche) e em Paris (escola Ferrandi), onde realmente percebeu que havia "uma verdadeira química" no mundo da pastelaria e "muito mais ingredientes do que os ovos, a farinha e o açúcar".
No seu atelier, que é um laboratório, que é uma cozinha criativa, cria e molda essas "possibilidades gigantes" de matérias-primas e de "combinações infinitas", inventa um género de pastelaria que diz ter "valores completamente diferentes", tendo em conta as matérias-primas e os processos. "As pessoas tinham mesmo que provar para perceberem as diferenças. 'Porque é que vou pagar vinte se há ali um bolo na pastelaria que custa dez?'"
Criou o seu espaço em 2011 — saíra da Arcádia, para quem desenvolve novos produtos há cerca de sete anos — porque "queria inventar" e "seguir caminho sozinha". "Desde aí é Sweet Soul", um modelo à porta fechada — a Sweet Soul produz pastelaria por encomenda; levantamento em loja ou entrega ao domicílio nos concelhos do grande Porto — e a bater à porta dos outros, a "cabeça a mil" entre livros de receitas e algoritmos, entre criar, montar e finalizar doces inspirados na pastelaria tradicional francesa (gosta de citar Christophe Adam, Pierre Hermé e Philippe Conticini, mas também Daniel Alvarez, Paco Terreblanca, Ramon Morato, Oriol Balanguer e Maria de Lurdes Modesto), macarons, financiers, madalenas, trufas, biscoitos e bolachas, bolos de casamento e de aniversário, sobremesas e doces para merendar, uma panóplia de petit four, aquele bolo único XPTO e aos milhares de não sei o quê para empresas, caterings ou clubes de futebol — e mais as empadas, lasanhas, bolas e focaccias da Salty Soul, ramificação criada durante as necessidades especiais da pandemia.
Existe uma lista online, mas a verdadeira lista é "interminável", "incontrolável" e "exaustiva". "Faço uma experiência e dizem-me 'tens que passar a fazer isso'". Não gosta de "coisas fáceis". Prefere os "desafios" e o serviço personalizado. Considera-se uma artista, mas "com a preocupação do negócio". Ainda está mais para as batedeiras e as argolas do que para o Excel. "Se me deixassem só inventar... mas a produção depende muito de mim." Das 9h às 19h, entre objectos artesanais, muita tecnologia de ponta e a microbiologia ("a ciência das reacções dos ingredientes”), é ela que faz as receitas todas e é ela que finaliza os bolos todos. Regularmente corre, escala e veleja — consta que até faz crochet. É mãe de dois filhos e gulosa assumida. "É tudo uma questão de equilíbrio."