A “resiliência” de André e Daniela em Trancoso: uma mercearia “chique”com produtos da terra

André Frade e Daniela Aguiar abriram uma merceria e bar de vinhos na praça principal de Trancoso. A Mercearia do Fradinho é um espaço a que a terra não estava habituada, mas ao qual já se afeiçoou.

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Daniela Aguiar e André Frade abriram a Mercearia do Fradinho há quase um ano em Trancoso Miguel Manso
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André Frade é de Trancoso e Daniela Aguiar de Freixo de Numão, Vila Nova de Foz Côa. Na casa dos trinta e licenciados em Turismo e Hotelaria, ela cresceu na agricultura e é filha de hoteleiros, ele trabalhou na área na Suíça. Trabalharam juntos num projecto turístico na região, em Pinhel, onde, qual casal dos sete ofícios, geriam o restaurante. E já nessa altura queriam "ter algo assim, de produtos endógenos". Esse "algo assim", quis o destino — que é como quem diz a venda da unidade hoteleira onde trabalhavam a alguém que não quis manter a oferta gastronómica —, é a Mercearia do Fradinho, mercearia e bar de vinhos (e não só) no centro histórico de Trancoso, aberta em Agosto do ano passado.

Nas bonitas embalagens e rótulos apelativos, saltam à vista as suas raízes. Há mel das Beiras (de flores e de melada — produzida por alguns insectos enquanto se alimentam da seiva das plantas), amêndoas do Douro Superior, geleias de vinho, licores vários e vinhos de várias regiões portuguesas. No interior, num punhado de mesas, é possível fazer uma refeição ligeira, adoçar a boca à hora do café — o único doce que não é feito pela dupla são as sardinhas doces, que ainda assim são de confecção local — ou beber um Porto tónico antes do jantar. Nesta altura, há uma mini-esplanada na rua, com vista para o Palácio Ducal de Trancoso, património do século XVIII infelizmente em ruína, que o casal gostava de dinamizar mais ao final do dia, promovendo a hora do aperitivo para quem anda na região e já tem planos para jantar, por exemplo.

Fradinho é o nome pelo qual o sobrinho de Daniela trata André Frade. E o nome ficou. Os dois vendem e servem produtos locais, como os afamados biscoitos artesanais da Fábrica Duriense (Marco de Canaveses), amêndoas da Quinta da Patela (Torre de Moncorvo) e da Lambão (Mêda), o mix de castanha e mel para fazer panquecas em 15 minutos da Fels Natural (Sernancelhe) ou a infusão de flor de figo-da-índia da Quinta da Caramona (Guarda). Também têm produtos que fazem um percurso maior até Trancoso, mas são igualmente bons, como as bolachas da Sabores Santa Clara (Portalegre) ou as conservas da Casa do Portinho (Angra do Heroísmo).

A sardinha doce é uma especialidade de Trancoso e o único doce que André e Daniela não confeccionam eles mesmos na Mercearia do Fradinho Miguel Manso
"A Rainha Santa Isabel casou-se com D. Dinis" em Trancoso, vai daí na Mercearia do Fradinho usa-se louça da colecção que a Vista Alegre dedicou às Rainhas de Portugal Miguel Manso
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A sardinha doce é uma especialidade de Trancoso e o único doce que André e Daniela não confeccionam eles mesmos na Mercearia do Fradinho Miguel Manso

É igualmente cuidada a selecção de vinhos nacionais (vão tendo a copo diferentes referências, com destaque para o vinho da região; também servem gin, sumos naturais, cerveja artesanal...), ou não estivessem os dois a tirar um curso de escanção. "Estamos os dois a fazer o curso. Porque queremos criar serviço de consultoria e gostávamos de levar as pessoas a visitar os produtores da Beira Interior [o negócio integra a Rota de Vinhos da região, criada em 2019]", explica Daniela, para logo a seguir nos falar dos workshops que querem dinamizar sobre os produtos endógenos que as pessoas encontram na Mercearia do Fradinho. Em Maio, por exemplo, já houve um sobre a produção de queijo de leite de ovelha, em parceria com um fornecedor.

Também há 'trapos' na mercearia, como as meias originas da Rodilha (Leiria), e produtos de cuidado pessoal, é o exemplo dos sabonetes de leite de ovelha e lavanda da Quinta Vale do Tourão (Figueira de Castelo Rodrigo).

É possível almoçar na Mercearia. Para o efeito, há opções ligeiras, bem, tão ligeiras quanto é possível na Beira Interior. Tostas várias, tábua de queijos e enchidos, uma salada que inclui os frutos secos e o mel da região e, regra geral, pelo menos dois petiscos, estes por encomenda, "bacalhau desfiado com fatias de broa" (14 euros) e marrã à Trancoso, como os locais chamam aos rojões (a carne de porco é previamente marinada em vinho e alhos; 12 euros). "Temos sempre um bolo do dia [2,50 euros a fatia]. Hoje, é de cenoura, com cobertura de chocolate e amêndoas caramelizadas."

Isso ou as tais sardinhas doces (1,80 euros a unidade), um doce de origem conventual que ainda é feito em Trancoso "por umas dez doceiras" e que leva "recheio de ovos com amêndoa triturada, tudo envolvido numa massa muito fina", explica André. "Vai a fritar e é mergulhado em chocolate e polvilhado com canela e açúcar." E, ao fim-de-semana, das 10h às 14h, "há pequeno-almoço brunch" na mercearia (35 euros para duas pessoas).

Numa terra que tem "três ou quatro mil habitantes", nota André, o primeiro ano não está a ser fácil, fácil. Mas o projecto deste jovem casal já é acarinhado na terra, dos mais novos aos mais velhos. "É difícil, não vou dizer que não. Mas com resiliência...", começa Daniela. Em 2023, perderam grande parte do Verão, época alta por excelência, mas em Dezembro, conta a duriense, habituada à terra e aos produtos que ela (ali) dá — a família tem olival, amendoal e vinha em Numão e Daniela quer plantar, ainda este ano, laranjeiras junto ao rio —, qual não foi o seu espanto, as pessoas "faziam fila à porta para entrar".

"Isto foi quase tudo decorado por nós. Recuperámos algum mobiliário. E quando abrimos ouvimos muitas vezes dizer que isto era um sítio chique", conta o mais reservado André. Antes de Daniela sublinhar: "A região precisa de mais espaços deste género, até para atrair outro tipo de turismo, para lá do turismo de massas, que também é importante mas não deixa cá riqueza."

André e Daniela têm a mercearia na praça mais central de Trancoso, mas também prestam serviços relacionados com a oferta naquele espaço físico. Preparam e entregam cestas de pequeno-almoço (25 euros, para duas pessoas; a ideia começou "ainda em pandemia") e de piquenique (a partir de 30 euros, para dois), transportam visitantes "em 4X4" e preparam "lunch boxes" (a partir de 14 euros por pessoa). Ter uma morada é quase só "para as pessoas saberem" que eles estão ali.

No futuro, gostavam de ter "um pequeno alojamento". "Gostamos muito da área hoteleira e é onde somos felizes. Com tudo o que gerir um alojamento implica. Gostamos da converseta, não sei se deu para reparar", diz Daniela. Deu. Venham daí mais "experiências" como as que esta dupla quer criar, porque Daniela tem razão: "A região precisa disso."

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