O bloco central ainda existe

O bloco central pode não existir em Portugal por conveniência política, mas não há dúvida de que, na Europa, ainda resiste por conveniência institucional. Não há nada de paroquial nisso.

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Durante muitos meses, ainda António Costa era primeiro-ministro e ainda o seu terceiro Governo não tinha tomado posse, a ideia de que o então governante estava destinado um cargo europeu alimentava muitos cenários políticos, ao ponto de o Presidente da República ter deixado um aviso sério, que veio a cumprir: se o primeiro-ministro saísse a meio da legislatura, haveria eleições antecipadas (e houve).

Esse Governo acabou por não durar muito tempo, mas durou o suficiente para que o seu líder tentasse de todas as formas negar as conjecturas que lhe apontavam o caminho de Bruxelas. Ao PÚBLICO, em Junho de 2023, disse: “Eu sou o garante da estabilidade. Já expliquei a todos que não aceitarei uma missão que ponha em causa a estabilidade em Portugal. Alguma vez eu poria em causa a estabilidade que tão dificilmente conquistei?”

Nem meio ano depois, quis o destino que fosse precisamente a instabilidade política criada por uma investigação judicial a abrir a porta a António Costa para se seguir uma nova carreira, que actualmente passa pelo comentário político.

A Operação Influencer teve uma consequência imediata: a queda do Governo. Mas teve também uma consequência secundária, reforçada pelos resultados dos socialistas nas eleições europeias: permitiu a Costa manter aceso o sonho europeu (de quem?), uma possibilidade que apenas tem viabilidade porque o dito processo veio a revelar-se frágil e não redundou na sua constituição como arguido.

Neste longo processo de aproximação à Europa, vários partidos em Portugal já se posicionaram sobre o seu apoio ou oposição a verem o ex-governante português na corrida ao Conselho Europeu. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, garantiu que o Governo "tudo fará para que [uma candidatura de Costa] tenha sucesso", distinguindo-se, mais uma vez, dos partidos à sua direita.

O caso Influencer podia até servir de argumento para a AD rejeitar apoios políticos a António Costa, de qualquer tipo, mas tal não aconteceu, e a verdade é que nem o maior partido da coligação que governa Portugal fala noutro futuro para Costa que não seja o de candidato a presidente do Conselho Europeu — o regresso do anterior primeiro-ministro ao comentário político pode, afinal, ser muito breve.

O bloco central pode não existir em Portugal por conveniência política (embora desse muito jeito para governar), mas não há dúvida de que, na Europa, ainda resiste por conveniência institucional e por solidariedade. Não há nada de paroquial nisso.

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