Ponte de Lima: em terra de sarrabulho, quem tem Orelha d’Elefante é rei

Em Ponte de Lima há um restaurante que se move “ao ritmo da natureza” e que é uma agulha no palheiro: tem comida rica e colorida e produtos saudáveis.

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Uma das sobremesas do dia Luís Octávio Costa
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A equipa está completa Luís Octávio Costa
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Os produtos são seleccionados com cuidado Luís Octávio Costa
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Em terra de sarrabulho, quem tem Orelha d'Elefante é rei. Mais do que uma frase chamativa, o título desta reportagem é a constatação da sorte dos limianos — principalmente deles — em terem na margem direita do rio um restaurante 100% vegetal que se move "ao ritmo da natureza", que usa produtos biológicos e sazonais, livres de produtos processados e de açúcares refinados e cuja cozinha, aberta para todos espreitarmos, é, na medida dos possíveis, consciente e sustentável. Orelha d'Elefante é uma agulha no palheiro, pratos ricos, saudáveis e coloridos no raio de acção da monocromática cozinha tradicional de Ponte de Lima, feita de colheradas de sarrabulho e de pirâmides de rojões, de sangue de porco frito e cozido, de pratos "muito intensos" e "muito desequilibrados a nível nutricional".

Há coisa de quatro anos, quando se meteram "nesta loucura" — celebram em Julho —, Letícia e Rafael, hoje com 31 e 29 anos, respectivamente, acreditavam piamente que os seus clientes iriam ser da sua geração. "Mas não." Aconteceu precisamente "o contrário", comentam à mesa com a Fugas lá pelas 15h, quando conseguiram dar vazão às diárias. Na sua maioria, quem ia ao Orelha eram quarentões e muito mais mulheres ("era raro termos um cavalheiro cá sentado").

"Agora inverteu-se". Os homens, que chegavam "arrastados pelas esposas", já são "clientes certinhos". Outra admirável constatação: a maioria dos clientes habituais não são veganos ou vegetarianos. "Ter comida leve e saudável à disposição diariamente nos restaurantes tradicionais da zona é difícil. É nesse sentido que as pessoas nos procuram." Serve a estatística pouco científica para se perceber que a gastronomia que aqui se pratica não pretende ser nem "fotogénica" nem "instagramável". E que o prato bem composto é procurado por pessoas que não querem ter "apenas prazer no momento" em que comem, mas "garantir que o processo seguinte também é simpático". "A digestão leve, a boa disposição, o estar saciado."

Na cozinha (com a ajuda da mãe Rosinda) Luís Octávio Costa
A mercearia é uma "extensão" do restaurante Luís Octávio Costa
As bolachas já são uma referência Luís Octávio Costa
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Na cozinha (com a ajuda da mãe Rosinda) Luís Octávio Costa

"Ouvimos muito as pessoas dizerem que se sentem muito bem ao fim do dia. É recorrente", comenta Rafael Matos, que retirou os animais e derivados da sua alimentação "de uma forma brutal" graças ao convívio com Letícia Barros, que fez a transição alimentar por questões de saúde pelos 18 anos ("as questões éticas vieram atrás"). "A gastronomia local é tradição e é cultural e sabemos o peso e o impacto que isso tem. Mas percebemos que tem que haver espaço para outras coisas. Sabemos que ninguém vai ter uma vida saudável a comer um sarrabulho e bacalhau de cebolada todos os fins-de-semana", sublinha a chef, formada em Terapia da Fala e que encontrou a macrobiótica na procura por uma dieta 100% vegetal equilibrada ("é fácil confundir vegetarianismo com saúde; a dieta pode ser vegetariana e perfeitamente desequilibrada") que lhe permitisse "adormecer" o seu problema de saúde. Algures pelo caminho, entusiasmou-se pelas formações gastronómicas, conheceu Rafael, que se formava em Psicologia, e já se casaram na Quinta das Águias — que, dizemos nós, já era um sinal de que estavam na direcção certa.

Vai pousando à nossa frente a infusão do dia, o puré de lentilhas com hambúrguer de quinoa, arroz vermelho e arroz basmati, uma salada crua de pickles (fermentação rápida e vinagre de ameixa na beterraba e no rabanete), um escaldado de couve kale e salpicos de vinagrete de mostarda e óleo de manjericão. No fim, um desfile de sobremesas: panacotta, salame, tarte de abacate e limão...

Salame de chocolate Luís Octávio Costa
Uma das sobremesas do dia Luís Octávio Costa
O prato do dia Luís Octávio Costa
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Salame de chocolate Luís Octávio Costa

Letícia olha para Rafael quando perguntamos pelos pratos que passaram pelas suas mãos nos dias anteriores. Deixa cá ver... "Passámos duas, três semanas sem repetir um prato", sorri. De cabeça, lembram-se de uma salada de cevada, um tofu com molho agridoce, um "estufadinho" de feijão catarino com cogumelos, quinoa com sultanas, "um docinho", couve-galega salteada ao alho e uma "saladinha", esparguete integral com bolonhesa de lentilhas, parmesão de caju, kimpira de nabo e cenoura... Por aí.

O menu decide-se de um dia para o outro, mediante a oferta dos produtores biológicos locais que garantem "90% dos frescos" e a totalidade de cereais, leguminosas e farinhas para a cozinha do Orelha e para a mercearia, uma "extensão" do restaurante com produtos a granel, molhos, vinagres, misos, bebidas vegetais, frutos secos, etc. A lista também é regularmente enviada para os clientes, que levantam a encomenda já pronta. "Daí termos um menu dia a dia e não semanal porque não conseguimos controlar os ingredientes. E os fornecedores são pequenitos. Uma semana têm uma coisa, na outra podem não ter. Hoje publicamos o que há amanhã."

A teoria pratica-se nos detalhes, na cozinha — com a ajuda da mãe Rosinda —, nas estampas naturais de folhas grandes e pontudas de Alocasia (Orelha-de-elefante) que tomaram conta da sala airosa, nos pratos que, um a um, vão sendo esvaziados. "A ideia foi seguir uma dieta de base vegetal que fosse equilibrada para nós e para o planeta e que fosse justa para o bem-estar animal. Essa é a nossa preocupação. A macrobiótica propõe estarmos em equilíbrio com o ambiente. Privilegia cereais integrais, que nos trazem saúde, energia, disponibilidade física e psicológica para a vida."

Letícia e Rafael queriam que o nome do projecto tivesse "uma referência a um animal e à natureza" e ao mesmo tempo que ajudasse a "disseminar" o cuidado e o impacto que "podemos ter no planeta" optando por este tipo de alimentação. A Orelha d'Elefante faz parte da família ("a minha mãe tem, a minha tia tem, toda a gente tem", diz Letícia) e o Orelha, que à nascença gerou "rebeldia e instabilidade", hoje é "super-acarinhado". "Ninguém achava que era um bom nome. Também ninguém acha que era um bom projecto para Ponte de Lima. Hoje é o Orelhinhas."

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O espaço Orelha d'Elefante Luís Octávio Costa
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