A brincar, a brincar, Trás-os-Montes defende os jogos tradicionais: da raiola à malha

Fito, raiola, malha, relha, corrida de sacos, jogo do burro... É o 3.º Campeonato de Jogos Tradicionais: decorre em Mirandela, dia 16. Aqui, até se pode inspirar para animar as férias da família.

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A corrida de sacos nunca pode faltar CM Bragança
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Pelo terceiro ano, Trás-os-Montes une-se para brincar. Mas, a brincar, a brincar, mantém-se a tradição. É o terceiro Campeonato de Jogos Tradicionais, organizado pela Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes (CIM-TTM): decorre em Mirandela, a 16 de Junho, no Parque Dr. José Gama.

Em campo, estarão "participantes dos nove concelhos das Terras de Trás-os-Montes. São mais de 400 participantes que, individualmente ou em equipa, vão disputar o título de campeões regionais em diferentes escalões e modalidades", informa a CIM-TTM.

E que está aqui em jogo? Pois " o fito, a raiola, a malha, a relha, a tracção à corda, a corrida de sacos ou os jogos do burro e da dança das cadeiras", entre outros.

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Campeonato dos Jogos Tradicionais CM Bragança

O evento, anual, resume-se, "celebra e preserva os jogos que marcaram gerações". Mais que um torneio de vitórias, é um evento para ir "promovendo actividades que incentivam a interacção social, o exercício físico e o contacto com a herança cultural". O desafio é levar " jovens e adultos a experimentarem e redescobrirem jogos que fazem parte do património cultural", sublinha-se, defendendo-se que "numa sociedade cada vez mais dominado por ecrãs e tecnologias, este campeonato é também entendido como uma oportunidade para as pessoas se desconectarem do mundo digital e se conectarem com a natureza, a prática de actividade física e a cultura".

O campeonato quer também ser "verdadeiramente inclusivo, pelo que também há lugar a jogos adaptados, que contam com a participação dos utentes de IPSS’s do território". Em campo, participantes dos nove concelhos que integram a Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os-Montes: Alfândega da Fé, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro, Vila Flor, Vimioso e Vinhais.

Embora aqui realmente o que conte é a participação, o campeonato tem o seu esquema formal: "disputa-se em três fases, ao início da manhã tem lugar a fase de apuramento, seguem-se as meias-finais e as finais de cada modalidade".

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A capa do livro que resume os jogos tradicionais dr

Jogos e tradições

No livro "36 Jogos Tradicionais nas Terras de Trás-os-Montes", Rui Cortinhas resume a histórica e dinâmica destas brincadeiras sérias. Eis aqui alguns dos jogos em destaque, para recordar, conhecer e... reviver. O livro, projecto coordenado e editado pela CIM da região, com ilustrações de Maria Cortinhas, está disponível em formato electrónico gratuito no site desta entidade, aqui. O campeonato, criado em 2022, realiza-se a cada ano num concelho diferente da região.

Fito

O Jogo do Fito é disputado por equipas de dois elementos. O material necessário são dois fitos (ou vintes) e quatro malhas (pedras escolhidas para o efeito). Antes de iniciarem o jogo, colocam-se os vintes à distância medida e é efectuado o sorteio da ordem de lançamento. Essa distância varia de zona para zona, mas vai de 17 m a 25 m na região. Cada jogador, atrás de um dos vinte, tenta, com a sua malha, derrubar o vinte do lado oposto ou aproximar o mais possível do vinte para, desta forma, ganhar um ponto no jogo. De seguida, jogam os outros jogadores, alterando os lançamentos entre as equipas. Seguidamente, lança primeiro o jogador da equipa mais pontuada na jogada anterior e assim sucessivamente até terminar o jogo. Cada derrube vale 4 pontos e a malha mais próximo do vinte vale 2 pontos. Vence o jogo a equipa que conseguir atingir primeiro os 40 pontos. Se for jogado um para um, cada jogador joga com 2 malhas. Para se jogar, é necessário um campo de 20 a 30 metros o mais plano possível

Relha

O jogo da relha é um jogo que, tal como o nome indica, é jogado com um objecto de ferro utilizado na agricultura, designado por relha. É jogado individualmente com uma relha com um peso entre os 3 kg e os 10 kg. O campo de jogo deverá ser plano e livre de obstáculos quer em comprimento quer em largura. A relha é lançada por baixo (entre as pernas), atrás de uma linha previamente marcada, a qual não poderá ser pisada ou ultrapassada antes de a relha terminar o seu percurso, ou seja, enquanto a relha não tocar o chão. A distância é a medida entre a linha de lançamento e o primeiro ponto onde a relha toca no solo. Ganha o participante que lançar a maior distância.

Malha

É um jogo de duplas com um campo de jogo em terra batida. Colocam-se os dois pinos a uma distância de 18 metros com duas malhas por jogador. Cada jogador, colocado atrás de um dos pinos, lança as suas malhas, alternadamente com as do adversário e os outros dois jogadores das equipas, no outro pino, verificam a posição das malhas no campo de jogo e contabilizam a pontuação. Recolhem as malhas e fazem novos lançamentos de forma alternada e assim sucessivamente. Quando o meco for derrubado pelo efeito directo da malha serão atribuídos 4 pontos. Quando o meco não for derrubado, pontuará a malha que se encontrar mais próxima dele. A malha que estiver mais próxima do meco, vale 1 ponto. Se as malhas mais próximas do meco pertencerem ao mesmo jogador ou equipa, pontuarão 2 pontos, e aí tem os 6 pontos. O jogo termina quando uma das equipas totaliza 30 pontos.

Raiola
(ou Chincalhão de Risco)

Era um jogo masculino e colectivo, jogado por duplas, comum em tabernas. Jogado com muita frequência no final de um dia de trabalho ou nas horas livres, era um momento de convívio, a equipa derrotada pagava uma rodada de bebidas aos vencedores. Para jogar, é necessário o seguinte material: as moedas, um fio de marcação ou um material alternativo para o mesmo efeito e a tábua de jogo. Quando jogavam no interior, era colocada a tábua com o desenho da raia a 2,5 metros de distância, eram distribuídos os jogadores por cada equipa e cada jogador tinha uma moeda para jogar. Quando jogavam no exterior, era marcada a raia de lançamento e a raia de jogo com uma distância entre os 3 e os 5 metros de comprimento variável entre os 70 cm e os 80 cm. No exterior, o terreno deve ser plano e amplo e, no interior, uma sala sem obstáculos, com espaço suficiente para colocar a tábua de jogo e a raia de lançamento. Todas as jogadas iniciam a valer 3 pontos e o jogo termina quando se atingem os 30 pontos, correspondendo 15 dos mesmos a pontos “de baixo” e os outros 15 a pontos “de cima”. Uma equipa pode colocar três tentos à pontuação em jogo, antes e após a sua jogada, mas não pode aumentar a pontuação duas vezes seguidas. Caso a moeda de uma das equipas fique na raia, são somados dois pontos e não pode ser aumentada a pontuação através dos tentos. Quando as duas equipas têm moedas na raia, a última jogada não é válida. Atingidos os 14 pontos de «a cima» a equipa fica «à manda», jogando primeiro os jogadores desta equipa e só depois os da equipa adversária. Se a equipa que está a mandar no jogo manda jogar os da outra equipa, joga-se para mais seis tentos e, caso contrário, recolhem-se as moedas e dão-se automaticamente dois tentos à equipa oponente. Para vencer o jogo, as equipas terão de conseguir ganhar dois jogos.

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A união faz a força CM Alfândega da Fé

Tracção à corda

A origem dos jogos realizados com corda é desconhecida. Ao que tudo indica surgiram com a criação desse mesmo material, ou seja, em épocas remotas da Humanidade. O que se sabe é que um dos primeiros jogos de corda conhecido foi “o cabo-de-guerra”, presente nos primeiros Jogos Olímpicos entre os anos 1900 e 1920 (Santos, 2012).

São necessárias duas equipas com igual número de elementos (geralmente cinco jogadores de cada lado). No chão, é marcada uma linha central. Usa-se uma corda de sisal (+/- 10 metros) e um lenço a marcar o meio da corda, num terreno plano e livre de obstáculos. É jogado por duas equipas, maioritariamente homens, com o mesmo número de jogadores. Cada equipa fica colocada nas extremidades da corda e à mesma distância do lenço colocado sobre a linha central.

Ao sinal do árbitro, cada equipa puxa a corda para o seu lado, ganha aquela que conseguir arrastar a outra equipa, fazendo com que o primeiro jogador da equipa adversária ultrapasse a linha marcada no chão. Não é permitido enrolar a corda ou fincar os pés no chão através da realização de buracos. Se alguma equipa largar a corda ou algum dos elementos cair ao chão, é imediatamente considerada derrotada.

Corrida de sacos

Apesar de a corrida de sacos ser um jogo de origem desconhecida, é, no entanto, jogado em todo o mundo. O material utilizado são sacos de serapilheira, tecido ou outro material alternativo. A vida quotidiana da população de outrora, além do trabalho diário, também era preenchida por diversões e a corrida de sacos era uma delas. A corrida de sacos é um jogo tradicional muito praticado pelas crianças. Para se jogar, para além dos sacos, são necessários pelo menos dois jogadores, (não havendo um número máximo para os mesmos), um espaço amplo, plano e livre de obstáculos e, de preferência, com um piso macio.

Para começar, desenham-se duas linhas no chão: uma de partida e outra de chegada, podendo-se, em alternativa, fazer-se um circuito vai e vem. A corrida de sacos é jogada com um saco para cada jogador que deverá entrar no saco de forma a poder saltar. Depois disso, os jogadores colocam-se atrás da linha de partida e dá-se início ao jogo. Cada jogador entra no seu saco, segura-o com as mãos e começa a diversão. Cada jogador desloca-se a saltitar e realiza dessa forma o circuito previamente definido. Se, durante a corrida, os jogadores caírem, não há nenhum problema, podem levantar-se e continuar a saltar. O que não pode acontecer é sair do saco, não podem empurrar ou fazer batota e se isso acontecer, serão desclassificados do jogo. Tal como refere Cabral (1998), ganha o primeiro que atingir a meta.

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