Mercados assustados: juros da França ao nível dos de Portugal
Depois de anos de aproximação progressiva, a perspectiva de uma chegada ao poder da União Nacional empurrou as taxas de juro da França para valores iguais aos de Portugal.
Não foi por muito tempo, mas, pela primeira vez desde que há registo, o custo de financiamento do Estado português nos mercados para um prazo de dez anos caiu para um nível mais baixo do que o suportado pelo Estado francês. Um cenário inédito para o qual se tem vindo a caminhar ao longo dos últimos anos e que foi agora apressado pela perspectiva de subida de um partido da direita radical populista ao poder na segunda maior economia da zona euro.
De acordo com os dados publicados pela agência Reuters, as taxas de juro da dívida pública portuguesa a dez anos registaram, por volta das 12h30 desta quarta-feira, um valor de 3,203% no mercado secundário de obrigações europeias, quando, ao mesmo tempo, os juros dívida pública francesa com o mesmo prazo atingiam os 3,205%, isto é, 0,002 pontos percentuais acima de Portugal.
Ao final da tarde, a situação tinha voltado a inverter-se, mas as taxas de juro portuguesas e francesas mantiveram-se a um nível praticamente idêntico, quando há duas semanas Portugal pagava juros que eram 0,12 pontos percentuais mais altos do que os da França, sendo que a diferença superava os 0,9 pontos há dois anos, os 3,4 pontos há sete anos e os 14 pontos há 12 anos, no auge da crise da troika.
A aproximação das taxas de juro portuguesas às francesas, que tem vindo a ocorrer desde 2017, aconteceu numa conjuntura de descida significativa do rácio de dívida pública portuguesa ao mesmo tempo que a França não apresentava qualquer evolução positiva nesse indicador. No ano passado, a dívida pública portuguesa em percentagem do PIB, de 99,1%, passou a ser inferior à francesa, que se manteve nos 110%.
Também os ratings atribuídos pelas agências de notação financeira evoluíram nos últimos anos de forma muito diferente, com Portugal a registar várias subidas e a regressar a um nível A-, ao passo que a França, embora a um nível ainda mais elevado, tem vindo a baixar de classificação, com a mais recente descida a ser feita pela Standard & Poor’s no passado dia 31 de Maio.
Essa decisão da agência norte-americana deu um novo contributo para encurtar a diferença entre as taxas de juro portuguesas e francesas, mas o empurrão decisivo foi dado pelos resultados das eleições para o Parlamento Europeu e pela decisão de Emmanuel Macron de convocar eleições legislativas antecipadas em França.
Mais do que nunca, os investidores nos mercados têm agora de lidar com a perspectiva, cada vez mais real, de uma chegada ao poder em França da União Nacional de Marine Le Pen. E aquilo que estão a antecipar fá-los ficar mais prudentes na hora de concederem crédito ao Estado francês.
A União Nacional, para além de ser conhecida pelas suas posições nacionalistas, anti-imigração e eurocépticas, também tem defendido políticas orçamentais vistas como pouco prudentes, tendo-se oposto, por exemplo, às políticas do actual Presidente francês de aumento da idade da reforma ou de agravamento dos impostos sobre os combustíveis.
Numa nota em que analisa o impacto dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu na França, o banco de investimento Schroders alerta para que uma nova vitória da União Nacional nas eleições convocadas por Macron “pode resultar num aumento do endividamento à medida que cortes de impostos e subsídios são oferecidos aos eleitores mais jovens”.
Em Portugal, apesar de as medidas recentemente aprovadas estarem a lançar dúvidas sobre se será possível manter este ano um excedente orçamental semelhante ao do ano passado, o ponto de partida é bem diferente e os mercados não estão a antecipar uma viragem radical das políticas.
Isso explica a evolução mais favorável das taxas de juro da dívida. Mas, ainda assim, Portugal também sentiu, à semelhança da generalidade dos países da zona euro, um impacto ligeiramente negativo nos mercados dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu. E uma crise orçamental séria em França não deixaria de produzir um efeito de contágio de que Portugal não conseguiria escapar.