Banco de Portugal antevê regresso ao défice e vê riscos de aumento da despesa

As “novas medidas” anunciadas nas últimas semanas terão impacto nas contas públicas e está em risco “a trajectória desejável” para a despesa pública, avisa o banco liderado por Centeno.

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A análise económica do Banco de Portugal, liderado por Mário Centeno, inclui previsões até 2026 Rui Gaudêncio
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O Banco de Portugal (BdP) actualizou esta sexta-feira a sua análise sobre a economia portuguesa até 2026 e as projecções que faz para as finanças públicas ainda apontam para a existência de excedentes em 2024, 2025 e 2026. Mas o próprio banco central liderado por Mário Centeno admite que esta avaliação está condicionada pelo facto de o Governo ter anunciado ou o Parlamento ter aprovado medidas com impacto no aumento da despesa pública e na diminuição das receitas. E já antevê que as contas públicas, nesse cenário, voltem a registar um défice, em vez de um saldo orçamental positivo. Só a existência de medidas compensatórias evita esse risco, avisa Mário Centeno.

No boletim económico divulgado esta sexta-feira, o banco central alerta que a “aprovação e anúncio de novas medidas com impacto orçamental nas semanas anteriores à publicação deste boletim condiciona a avaliação da situação das finanças públicas em Portugal nos próximos anos” e a “magnitude das medidas e a sua natureza — diminuição de receita e/ou aumento da despesa — implicam uma redução do saldo orçamental. E, com a informação disponível, é expectável o retorno a uma situação de défice, colocando em risco a trajectória desejável para a despesa pública no âmbito nas novas regras orçamentais europeias.”

O Parlamento aprovou na especialidade esta semana uma nova redução do IRS com efeitos já em relação a 2024, já aprovou o fim das portagens em algumas das antigas auto-estradas sem custos para os utilizadores (Scut), a começar em 2025, e o Governo de Luís Montenegro tem vindo a anunciar a celebração de acordos com carreiras da função pública que implicarão aumento dos custos com salários na administração pública (como é o caso dos professores ou funcionários judiciais).

Como estas medidas não podem ser assumidas nas projecções oficiais, as previsões específicas que o BdP revela para cada ano ainda apontam para excedentes: um saldo orçamental positivo de 1% este ano, de 0,8% em 2025 e de 0,6% em 2026.

O próprio banco central especifica alguns dos impactos que deixou de fora nesta projecção, por estarem no horizonte, mas não formalmente aprovados. Essas medidas “referem-se à redução do IRS, ao pacote de apoio aos jovens, ao alargamento da redução do IVA na electricidade, ao apoio à habitação e reforço da saúde, bem como às revisões salariais de diversas carreiras na função pública.”

As projecções foram concluídas a 21 de Maio e, como explica o banco central numa nota de rodapé, a instituição só pode incorporar — porque essas são as regras do Eurossistema — “as medidas aprovadas pelo Parlamento ou que já foram definidas com detalhe suficiente pelo Governo e com elevada probabilidade de aprovação no processo legislativo.”

Mesmo assim, ainda sem levar em conta esses factores adicionais, já há uma deterioração do saldo orçamental (isto é, um excedente menor) “ao longo do horizonte de projecção” de 2024 a 2026. Nestes três anos, pesa sobre essa trajectória “o abrandamento da actividade económica” e, “em sentido contrário”, com um impacto favorável, “medidas classificadas como temporárias.”

Ao mesmo tempo, há uma “deterioração do saldo primário estrutural de 0,6 pontos percentuais”, com a despesa primária estrutural a aumentar 0,9 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) e a exceder o aumento da receita estrutural. Para o cálculo do saldo estrutural, exclui-se da análise o efeito cíclico da economia, o valor dos juros da dívida e o custo de medidas extraordinárias.

Falta conhecer compensações

Questionado na conferência de imprensa de apresentação do boletim sobre as previsões de défice, Mário Centeno ressalvou que as projecções são feitas com base nos indicadores disponíveis à data e que, havendo medidas de compensação, o cenário de défice poderá ser evitado. Mas admite que, se todas as medidas já anunciadas entrarem em vigor em 2025, poderá haver défice já no próximo ano.

“Quando começamos a somar os números que são conhecidos, eles exauram o excedente orçamental com muita facilidade”, começou por dizer, referindo-se a um exercício de projecções alternativo feito pelo BdP.

Em concreto, o supervisor bancário calcula que, em 2025, o Governo tenha uma margem de perto de 5400 milhões de euros para aumentar a despesa, tendo em conta o Produto Interno Bruto (PIB) potencial. Só as medidas do lado da despesa calculadas para esse ano (em que se incluem gastos com pessoal e as pensões, por exemplo) ascendem a 5600 milhões, mais do que consumindo, portanto, a margem que se estima que exista.

A isso acrescem várias novas medidas previstas para o próximo ano, algumas já aprovadas, outras que ainda terão de passar pela Assembleia da República, mas cujo impacto orçamental já pode ser calculado: é o caso, por exemplo, do novo regime de IRS Jovem, da isenção de IMT e imposto do selo para jovens que comprem a primeira casa, ou da redução das portagens nas ex-Scut. Tudo somado, o BdP estima que a diferença entre a margem para o aumento da despesa e o real aumento da despesa é negativa em 2000 milhões de euros.

Este é, contudo, um exercício de projecção meramente “ilustrativo”, ressalvou Centeno, fazendo várias ressalvas. “Há desfasamentos na aplicação das medidas, pelo que este impacto não pode ser todo imputado ao ano de 2025, e há medidas de compensação que podem e devem sempre ser consideradas. Se essas medidas de compensação não aparecerem, a nossa avaliação é que não existe margem orçamental para acomodar as medidas que estão a ser apresentadas, mas isso só se sabe no fim. Esse processo tem de ser respeitado”, frisou.

No boletim, que pode ser lido no site da instituição, o banco central lembra que os “valores dos critérios orçamentais de Maastricht mantiveram-se inalterados em 3% do PIB para o défice e 60% do PIB para a dívida pública” e que as alterações “ao braço correctivo são pouco expressivas, em particular no caso do procedimento por défice excessivo baseado no critério do défice.”. A seguir recorda o que isso implica para Portugal. “Para um país cujo défice ultrapasse os 3% do PIB será exigido um ajustamento estrutural de pelo menos 0,5% do PIB ao ano e, transitoriamente até 2027, as despesas em juros não serão consideradas. O procedimento por défice excessivo baseado na dívida é reformulado, sendo iniciado quando o rácio da dívida ultrapassar o valor de referência, a posição orçamental não estiver próxima do equilíbrio ou em excedente e quando as discrepâncias na conta de controlo (um novo conceito) do Estado-membro excederem 0,3 pontos percentuais do PIB anualmente, ou 0,6 pontos percentuais do PIB cumulativamente”.

Crescimento de 2% este ano

A projecção de crescimento do PIB que o BdP faz para 2024 e os próximos dois anos mantém-se igual ao que previa em Março. O banco central continua a antever um crescimento de 2% para este ano, seguindo-se uma ligeira aceleração em 2025, com o PIB a avançar 2,3%, e um pequeno abrandamento em 2026, com a variação do PIB a passar a ser de 2,2%.

Será, ainda assim, um desempenho “superior ao da área do euro” e há dois factores que explicam o “diferencial positivo": o “dinamismo das exportações e do investimento”, explica o banco central no boletim económico.

Ao realizar estas projecções, a instituição liderada por Mário Centeno assume haver uma “dissipação do impacto dos choques recentes” e uma “melhoria do enquadramento internacional”, com impactos na procura interna, nas exportações e na evolução do mercado de trabalho.

“A procura interna beneficia da redução da inflação e de condições de financiamento menos restritivas, bem como da implementação de projectos financiados por fundos europeus, acelerando de 1,4% em 2023 para 2,4% em média em 2025–26. As exportações mantêm um crescimento dinâmico, de 3,8% em termos médios, com a aceleração da procura externa e ganhos de quota de mercado a compensarem parcialmente a dissipação do impulso proporcionado pela recuperação pós-pandémica dos serviços. O mercado de trabalho mantém uma evolução favorável, com um aumento anual do emprego de cerca de 0,9% e uma taxa de desemprego próxima de 6,6%, inferior à tendencial”, lê-se no documento.

Em relação à inflação (aqui projectada através do índice harmonizado de preços no consumidor, que permite fazer comparações com outros países da União Europeia), o Banco de Portugal prevê que a taxa passe dos 5,3% registados no ano passado para 2,5% este ano, continuando a baixar nos próximos dois anos, primeiro para 2,1% em 2025 e, depois, para 2% em 2026. A diminuição reflecte “menores pressões externas e internas sobre os preços.” Apesar de haver uma descida face ao nível de inflação do ano passado, a previsão para 2024 (2,5%) é agora ligeiramente superior à antevista em Março, altura em que o banco central português previa uma variação de 2,4%. E o mesmo acontece para cada um dos anos seguintes, com uma revisão em alta da projecção em 0,1 pontos percentuais.

A composição do PIB, diz a instituição, “retoma a evolução observada nos anos anteriores à pandemia, com um aumento do peso das exportações e da formação bruta de capital fixo [investimento].”. A previsão é a de que as exportações irão contribuir “em termos líquidos de conteúdos importados” com 0,9 pontos percentuais para a variação média anual do PIB entre 2024 e 2026. Ao mesmo tempo, o contributo do investimento aumenta, “enquanto o contributo do consumo se mantém estável”.

Para o banco central, este padrão de crescimento, “caracterizado pelo dinamismo das exportações e do investimento, é consistente com a manutenção de equilíbrios macroeconómicos fundamentais, com destaque para o excedente das contas externas”. E explicam o melhor desempenho do que o conjunto dos 20 países que partilham a moeda única, com um diferencial médio de 0,9 pontos percentuais.

“O investimento cresce mais em Portugal reflectindo, em larga medida, o impacto dos maiores recebimentos de fundos europeus, enquanto o diferencial nas exportações é explicado pela manutenção de ganhos de quota de mercado.” Apesar de a composição do PIB entre 2024 e 2026 se assemelhar ao que acontecia antes da economia, o nível de crescimento “é inferior ao observado no período pré-pandémico, reflectindo inter alia condições de financiamento mais desfavoráveis e um menor crescimento da procura externa", explica.

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