Os eleitores não estão cansados da política ambiental europeia

É preciso responsabilizar os partidos que têm governado pelos fracassos do Pacto Ecológico, em vez de usar o medo da extrema-direita como bode expiatório, diz Soromenho-Marques.

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Activistas do movimento Avós Europeus pela Acção Climática numa manifestação em Bruxelas a propósito das eleições OLIVIER HOSLET/EPA
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Tornou-se quase uma profecia, repetida por políticos e analistas: o ambiente e as alterações climáticas deixaram de ser prioritários na agenda europeia, e estas eleições para o Parlamento Europeu (PE) vão selar essa viragem. A segurança e a competitividade tornaram-se novos mantras. Mas é mesmo assim? “Os partidos estão a interpretar erradamente o que os eleitores pensam. Os nossos resultados mostram que a maioria dos eleitores continua a ser a favor de ambição na acção climática”, afirmou Jannik Jansen, analista do Centre Jacques Delors e da Hertie School, em Berlim.

Os resultados a que Jansen se refere foram relatados num estudo de Março, com base num inquérito a 15 mil cidadãos de três países da União Europeia: Alemanha, França e Polónia. “Nos três países, há uma maioria de eleitores preocupada com as alterações climáticas, e que não considera que vão perder o emprego por haver leis. Querem uma política mais ambiciosa”, adiantou Jannik Jansen, numa troca de emails com o PÚBLICO.

Apesar de o discurso de que os eleitores estão cansados da legislação ambiental e climática, por causa dos esforços a que obriga — e dos custos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, por exemplo —, estar a ser intensamente explorado pelos partidos de direita, direita radical e extrema-direita pela Europa fora, a auscultação dos eleitores não o confirma. “O apoio a políticas climáticas mais ambiciosas estende-se para além dos partidos verdes e de esquerda. Há apoiantes da continuação da acção climática também entre os eleitores de partidos liberais e conservadores”, explicou o investigador.

O que temos visto na campanha para as eleições europeias, no entanto, é “um recuo substancial” dos compromissos ambientais, notou. “Partidos liberais e conservadores defendem muitas vezes a reversão de medidas importantes do Pacto Ecológico Europeu, como a eliminação gradual das vendas de veículos com motor de combustão até 2035”, exemplificou Jansen.

“Filtram a retórica climática através de uma lente económica, vaticinando a necessidade de atrasar, deitar fora ou diluir regulamentação ambiental, para evitar sobrecarregar indústrias e agricultores”, disse. Esta posição já teve consequência por exemplo quando a Lei do Restauro da Natureza não foi aprovada pelo Conselho Europeu, por oposição do Governo húngaro, salientou o investigador.

Pode-se ver isso no programa da AD: apesar de “orgulhosos do Pacto Ecológico Europeu”, dão uma no cravo e outra na ferradura: “Não somos nem negacionistas das alterações climáticas, nem acreditamos que, para salvar o planeta, temos de empobrecer”. Ou no da Iniciativa Liberal, nas linhas que dedica ao desenvolvimento sustentável: “A Europa deve apostar em inovação e empreendedorismo, com base em incentivos e em soluções de mercado (…), em vez de as restringir por via de proibições e mandatos”.

No do Chega, não há rodeios: num dos pontos, promete-se "impedir que o Pacto Ecológico continue a subjugar a actividade agrícola europeia, violando a soberania dos Estados-nação".

Consenso pouco informado

E, no entanto, Portugal é um dos países na UE onde o ambiente e as alterações climáticas são temas mais importantes. Numa sondagem Eurobarómetro de Março, 94% dos portugueses consideravam a acção legislativa europeia é fundamental para proteger o ambiente (a média europeia era 84%), e 90% reconheciam que os problemas ambientais têm efeitos directos no seu dia-a-dia e na sua saúde (78% na UE).

O discurso público sobre o ambiente e as alterações climáticas tem, contudo, muitas lacunas. “Julgo que há um consenso pouco informado”, diz Viriato Soromenho-Marques, filósofo e catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que tem pensado e escrito sobre ambiente e clima.

“É um consenso que insiste emocionalmente na componente da gravidade, mas que não fornece ao cidadão comum instrumentos e categorias que permitam densificar mais a informação”, explica. “Fica-se pelas ondas de calor, os incêndios florestais e não dá mais dados. E, sobretudo, não ajuda a perceber o mecanismo causal”, reflecte.

A ausência dos políticos é notória. “Nunca tivemos um primeiro-ministro a fazer um discurso sobre as alterações climáticas, a dizer o que é, porque é, as consequências possíveis, o que fazer para diminuir o seu impacto”, lamenta Soromenho Marques. “E o Presidente da República também não tem dado nenhuma ajuda”, frisa.

Na verdade, nem na campanha eleitoral, em que se joga o futuro do Pacto Ecológico, se tem falado deste tema. “Nem sequer os partidos mais pequenos têm falado”, diz Soromenho-Marques. “Muitas vezes, o discurso sobre as alterações climáticas acaba por reduzir-se à energia e aos transportes. E não é. Então e a biodiversidade? E os estilos de vida? E a agricultura?”, interroga.

"Evitar simplificações"

Por tudo isto, “é preciso evitar algumas simplificações”, diz Soromenho-Marques. “Nomeadamente, a que relaciona o recuo da política ambiental na Europa com os movimentos conservadores, extremistas, populistas”, salienta.

“Os projectos que o Governo do PS aceitou com aplausos, e que o Governo do PSD vai também aceitar, de mirtilo intensivo, olival intensivo, amendoal intensivo, abacate, em terrenos semidesérticos, no Algarve e no Alentejo, são financiados por capitais privados de fundos de investimento — dinheiro que é feito para se reproduzir o mais rápido possível — e por financiamento europeu”, enumera. “Tornar os populistas os responsáveis por isto seria uma caricatura, não é?"

“Não foram os populistas que impediram a aprovação no PE da legislação para controlar os produtos químicos que causam a morte das abelhas. Foi a indústria química, que produz esses produtos. O PE e a Comissão Europeia são permanentemente alvos de pressões, seduções e de recompensas por parte dos sectores económicos mais significativos”, destaca.

Apesar de tudo o que de bom se possa dizer sobre o Pacto Ecológico, é um castelo construído nas nuvens. “Porque, quando chegamos à parte da concretização, o envelope financeiro para apoiar países ou regiões, que têm um orçamento nacional já muito preenchido, é muito pequenino”, salienta Soromenho-Marques.

É preciso pedir responsabilidades aos partidos do centro, aqueles que têm governado — Portugal e a Europa. “Custa-me que as pessoas que tinham a obrigação de ter uma visão mais aberta dos riscos que corremos venham, em nome dos galões democráticos, fazer dos populistas o bode expiatório da sua própria incompetência”, afirma claramente.