A União Europeia quer que a neutralidade carbónica seja atingida em 2050 e, para tal, gizou um plano ambicioso que inclui cortes radicais nas emissões de gases com efeito de estufa já em 2030. Só que o chamado Pacto Ecológico Europeu, o "Green Deal", começa a enfrentar resistência em alguns países da UE, apesar das cada vez mais frequentes ondas de calor extremo ou dos dantescos fogos florestais.
O pacto verde, apresentado em 2019, ameaça ficar mais esbatido com a tentativa de alguns países da Europa a 27 de atrasar o processo, com os problemas energéticos provocados pela guerra na Ucrânia e os custos da transição verde em plena crise de custo de vida como justificação.
Comecemos por Itália, onde o governo de direita radical liderado por Giorgia Meloni está a pôr em causa várias iniciativas europeias com o argumento de que as empresas não conseguem suportar os objectivos delineados e acordados para a transição ecológica. Exemplos: alterou os planos para a eliminação gradual dos automóveis com motor de combustão e questionou uma directiva europeia destinada a melhorar a eficiência energética dos edifícios.
O recuo ganha maior dimensão com o atraso italiano em relação aos objectivos de descarbonização estabelecidos pela UE para 2030, como admite um documento do Ministério da Energia conhecido no mês passado.
A indústria automóvel garante, não só em Itália como em muitos outros países, dezenas de milhares de postos de trabalho, pelo que o Governo de Roma é um dos que têm questionado o padrão europeu de emissões, conhecido como Euro 7, definido em Novembro passado.
Em Maio, numa conferência de fabricantes de automóveis em Verona, o ministro italiano dos Transportes e líder da Liga, Matteo Salvini, disse que o Euro 7 estava “claramente errado”.
“A Itália, com a França, a República Checa, a Roménia, Portugal, a Eslováquia, a Bulgária, a Polónia e a Hungria, tem os números para bloquear este salto no escuro”, afirmou Salvini, citado pela Reuters.
Itália não está sozinha nas objecções às metas ambientais de Bruxelas. A Polónia, que vai a eleições em Outubro, está mesmo a processar Bruxelas por causa das políticas climáticas.
“A UE quer tomar decisões autoritárias sobre o tipo de veículos que os polacos vão conduzir?”, insurgiu-se a ministra do Clima e Ambiente, Anna Moskwa, no mês passado.
O Governo de Varsóvia já apresentou queixas no Tribunal de Justiça Europeu por causa da proibição de veículos a combustão em 2035, do aumento da meta de redução das emissões, da redução das licenças gratuitas de emissão de dióxido de carbono e do que classifica como interferência na gestão das florestas nacionais.
A Polónia adiou também o plano para reduzir a sua dependência do carvão, após a pressão exercida pelos sindicatos mineiros.
Há um padrão nesta contestação de italianos e polacos às políticas ambientais necessárias para a descarbonização da UE, o mesmo que ameaça outras nações do bloco, como a Alemanha e os Países Baixos: o crescimento da direita radical. Itália e Polónia fazem parte do grupo de países governados pelo lado mais à direita do espectro político, mas que pode alastrar a outros países da UE nos próximos anos.
Na Alemanha, a impopularidade de uma lei que prevê a eliminação progressiva do aquecimento a gás levou a coligação no poder a um ponto de elevado de tensão e à ascensão da Alternativa para a Alemanha (AfD) nas sondagens, onde o partido de extrema-direita ocupa, desde há alguns meses, o segundo lugar.
Os alemães só vão a votos em 2025, mas nos Países Baixos as eleições legislativas antecipadas (depois do colapso do governo centrista liderado por Mark Rutte) estão marcadas para Novembro próximo. E, tal como na Alemanha, o segundo lugar nas sondagens tem vindo a ser ocupado por um partido de matriz populista que fez da oposição às políticas ambientais o seu cavalo de batalha.
Nas eleições regionais de Março, o Movimento dos Cidadãos Agricultores (BBB), fundado em 2019 na sequência dos grandes protestos dos agricultores contra os planos do Governo para reduzir drasticamente as emissões de azoto nas explorações agrícolas, conquistou 15 lugares no Senado.
A última sondagem da Ipsos coloca o BBB em segundo lugar, com quase 15% dos votos, apenas três pontos percentuais atrás do VVD, que durante mais de uma década foi liderado por Mark Rutte. E uma subida significativa do BBB nas eleições de Novembro pode complicar a política ambiental dos Países Baixos, onde o centro-esquerda aposta em Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia com a pasta do clima e visto como o pai do Pacto Ecológico Europeu.
“As circunstâncias são, definitivamente, diferentes das de 2019, quando começámos este pacto com o apoio máximo e a vontade política de agir de todos os partidos”, disse recentemente o comissário europeu do Ambiente, Virginijus Sinkevicius, em entrevista à Reuters, para quem os políticos têm de ter em conta as sondagens que mostram que uma grande maioria dos cidadãos europeus está preocupada com as alterações climáticas.
"Temos uma maioria estável que apoia o Pacto Ecológico Europeu”, acrescenta Sinkevicius, referindo-se ao nível de apoio no Parlamento Europeu à agenda verde da UE. Mas, para o ano, há eleições para o Parlamento Europeu, onde o grupo Reformistas e Conservadores Europeus, que inclui, entre outros, os Irmãos de Itália, o polaco PiS, os Democratas Suecos e o espanhol Vox, poderá ver a sua representação crescer e, consequentemente, reduzir o apoio ao plano ambiental, contagiando um centro-direita com medo de perder votos nos seus próprios países.
“As eleições para o Parlamento Europeu no próximo ano serão muito decisivas para o futuro", afirmou à Reuters Mats Engström, do European Council on Foreign Relations, "porque o grupo de centro-direita está a tornar-se mais negativo em relação às políticas verdes".
Notícia corrigida a 21.8.2023: o fim progressivo do imposto sobre o gás levou a tensão, e não a um ponto de ruptura, na coligação de Governo na Alemanha.