Mais de uma em cada quatro crianças vive em “pobreza alimentar grave”

Um “número chocante” de crianças “sobrevive com uma dieta muito pobre, consumindo produtos de dois ou menos grupos alimentares, alerta o Fundo das Nações Unidas para a Infância.

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Crianças palestinianas aguardam para receber comida em Gaza IBRAHEEM ABU MUSTAFA / REUTERS
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Mais de uma em cada quatro crianças com menos de cinco anos vive em situação de "pobreza alimentar grave". Isto significa que mais de 180 milhões de crianças correm o risco de sofrer consequências graves para a saúde se não tiverem uma alimentação nutritiva e diversificada, alerta o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) num relatório divulgado na quarta-feira à noite.

Um "número chocante" de crianças "sobrevive com uma dieta muito pobre, consumindo produtos de dois ou menos grupos alimentares", disse Harriet Torlesse, uma das autoras do relatório, à agência de notícias France-Presse.

De acordo com as recomendações da Unicef, as crianças pequenas devem consumir diariamente alimentos de pelo menos cinco dos oito grupos alimentares: leite materno, cereais, frutas e legumes ricos em vitamina A, carne ou peixe, ovos, lacticínios, leguminosas, outras frutas e legumes.

No entanto, 440 milhões de crianças com menos de cinco anos (ou 66%), a viver em cerca de uma centena de países de baixo e médio rendimento analisados, não têm acesso a estes cinco grupos todos os dias, vivendo assim em situação de “pobreza alimentar”. E destes, cerca de 181 milhões (27%) consomem, no máximo, alimentos de dois grupos.

Estas “crianças que comem apenas dois grupos de alimentos por dia, por exemplo arroz e um pouco de leite, têm 50% mais probabilidades de sofrer de formas graves de malnutrição”, como definhamento e emaciação extrema, que pode levar à morte, alertou a directora da Unicef, Catherine Russell, em comunicado.

Sobrevivem e crescem, mas não prosperam. Têm menos sucesso na escola e, quando adultas, têm mais dificuldade em ganhar a vida, o que mantém um "ciclo de pobreza de geração em geração", explicou Torlesse.

“O cérebro, o coração e o sistema imunitário, que são importantes para o desenvolvimento e a protecção contra as doenças, dependem das vitaminas, dos minerais e das proteínas”, insistiu a especialista em nutrição.

Esta grave pobreza alimentar concentra-se em 20 países, com situações particularmente preocupantes na Somália (63% das crianças com menos de 5 anos afectadas), na República da Guiné (54%), na Guiné-Bissau (53%) e no Afeganistão (49%).

E, embora não existam dados disponíveis para os países ricos, as crianças de agregados familiares pobres enfrentam também estas carências nutricionais.

O relatório presta especial atenção à situação na Faixa de Gaza, onde a ofensiva israelita provocada pelo ataque sem precedentes do movimento islamita palestiniano Hamas em 7 de Outubro, levou ao “colapso dos sistemas alimentares e de saúde”.

A nível global, constatando apenas “progressos lentos” nos últimos 10 anos na luta contra a pobreza alimentar, o relatório defendeu a introdução de mecanismos de protecção social e de ajuda humanitária para os mais vulneráveis.

Mas também uma transformação do sistema agro-alimentar, responsabilizando as bebidas com elevado teor de açúcar e os pratos industriais ultra-processados “comercializados de forma agressiva junto das famílias e que se tornaram a norma para a alimentação das crianças”.

Estes produtos são frequentemente “baratos, mas também muito calóricos, muito salgados e gordos. Suprimem a fome, mas não fornecem as vitaminas e os minerais de que as crianças necessitam", sublinhou Harriet Torlesse.

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