O vinho de Carcavelos que passou um ano no farol do Bugio

Depois de 11 meses na adega, o vinho de Carcavelos Villa Oeiras Colheita 2012 — 1924 PHAROES estagiou um ano numa cave improvisada no Farol do Bugio, no meio do mar. Agora, vai ser objecto de estudo.

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Rumo ao Farol do Bugio daniel rocha
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Um vinho para um farol daniel rocha
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Carcavelos Villa Oeiras Colheita 2012 – 1924 PHAROES daniel rocha
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“Por acaso não têm um espaço no forte de São Julião da Barra para pormos umas pipas?” A ideia surgiu o ano passado, durante uma visita da equipa da Direcção de Faróis à Adega do Casal da Manteiga, onde é produzido o vinho de Carcavelos Villa Oeiras. Alexandre Eurico Lisboa, coordenador do Projecto da Vinha e do Vinho da Câmara Municipal de Oeiras, desafiou António Oliveira, sub-director de faróis, a arranjar-lhe uma sala no forte junto à praia de Carcavelos para pôr algumas das 1500 pipas de vinho da adega de Oeiras. “Até temos disponível o Forte de São Lourenço, no Bugio”, respondeu-lhe o oficial da Marinha, em tom de brincadeira.

O que começou como uma “piada” e um “desafio”, recorda Alexandre Eurico Lisboa, acabou por tornar-se uma operação séria, a envolver um protocolo entre a Autoridade Marítima Nacional e a Câmara de Oeiras e uma logística de transporte complicada. “Pegámos na ideia e procurámos potenciar a possibilidade de fazer um estudo sobre a influência atlântica no processo oxidativo de envelhecimento do vinho de Carcavelos”, explica o arquitecto da Câmara. “Já há muitos exemplos de garrafas [a estagiar] no fundo do mar, mas não há nenhum exemplo em que se estudem as suas condições, com um resultado científico conclusivo.”

À entrada do Tejo, em frente à praia da Cova do Vapor, na Trafaria, e a Oeiras, o Forte de São Lourenço, que inclui o Farol do Bugio, começou a ser construído no meio do mar no final do século XVI para a defesa do porto de Lisboa. Na maior parte do ano está fechado ao público, excepto nas raras ocasiões em que se organizam excursões de barco com guias. O ano passado, por exemplo, a câmara de Oeiras promoveu duas visitas ao farol em Julho e Agosto, com uma longa lista de espera.

Em tempos, o Farol do Bugio chegou a alojar seis faroleiros, que ali viviam em pequenas casas. Agora só é frequentado pela Direcção de Faróis, que faz a manutenção regular das baterias dos painéis solares e das câmaras de vigilância. “A partir do momento em que isto passou a ser automatizado, deixaram de existir cá faroleiros em permanência, mas as casas mantiveram-se e também a capela”, conta António Oliveira, sub-director de faróis. “Aproveitámos a cave de uma dessas casas, que está virada a noroeste, com um vento predominantemente norte e sol do lado contrário, para colocar as pipas.”

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Villa Oeiras Colheita 2012 - 1924 Pharoes Daniel Rocha

Uma operação complicada

A operação de transporte das barricas da adega em Oeiras para a cave do farol aconteceu em Abril do ano passado, com uma equipa de 20 pessoas e demorou cerca de um mês a ser preparada, diz António. “Tivemos uma janela de 24 horas para conseguir fazer a manobra, porque quem manda é o mar”, continua o responsável pelos faróis. “Atracar aqui no Bugio é muito difícil, as condições de mar e vento estão sempre a mudar. Tivemos de encontrar o dia perfeito para ter uma lancha estável e conseguir fazer a operação em segurança para as pessoas.”

Primeiro foi preciso carregar as 13 barricas vazias em lanchas e em “mãos” para o Bugio. “O vinho veio em contentores ISO de mil litros e foi feita uma trasfega com uma bomba para uma altura de oito metros”, explica o responsável da Marinha. “Estivemos a comprimir os 4 mil litros de vinho para cada pipa. [Um ano] depois foi [feito] o processo inverso para retirar o vinho, com uma bomba a transportar para uma lancha 4 mil litros [de vinho]. Isto descrito desta forma é curto, mas as imagens valem mais do que mil palavras.”

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No Farol do Bugio Daniel Rocha

O vídeo com o processo de transporte do vinho para o Bugio foi um dos pontos altos do lançamento do vinho Carcavelos Villa Oeiras Colheita 2012 — 1924 PHAROES, a mostrar a complexidade da operação que envolveu a Marinha e a Câmara de Oeiras. “Todas as semanas vínhamos à adega para registar humidades, temperaturas, verificar se havia perdas ou dilatações das pipas e fomos sempre acompanhando a equipa da adega no que era produção do próprio vinho”, explica o sub-director de faróis.

Apesar de não ter nenhuma formação em enologia, António já esteve ligado a outra manobra com os vinhos de Carcavelos Villa Oeiras quando, em 2020, o Navio-Escola Sagres levou duas barricas de 280 litros para uma viagem por mar até aos Jogos Olímpicos de Tóquio. Com a pandemia, a “volta ao mundo” acabou por ser interrompida e o vinho de Carcavelos teve de regressar ao ponto de partida. “Este foi mais um desafio que lançámos à Câmara de Oeiras, que tem sempre esta capacidade de inovar e acolher estas ideias e fazer acontecer”, resume.

No Farol do Bugio Daniel Rocha
No Farol do Bugio Daniel Rocha
No Farol do Bugio Daniel Rocha
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No Farol do Bugio Daniel Rocha

Gente muito criativa

Além da componente experimental e de estudo, o vinho do farol do Bugio é também uma homenagem aos cem anos da Direcção de Faróis e está limitado a 1.800 garrafas (a 250 euros cada). A cerimónia de lançamento do vinho aconteceu no Bugio no final de Maio com a presença do presidente da Câmara, Isaltino Morais, do almirante Henrique Gouveia e Melo, Chefe do Estado-Maior da Armada, e de uma pequena comitiva que foi chegando em lanchas.

Gouveia e Melo, que também esteve dois anos na direcção de faróis, disse que nunca lhe teria passado pela cabeça ter vinhos a estagiar no Bugio “como forma de rentabilizar a infra-estrutura” que descreveu como “um dos sítios mais inóspitos”. “Não me lembraria de pôr aqui vinhos, mas tenho gente muito criativa a trabalhar para mim”, afirmou.

Na apresentação do vinho, Isaltino Morais reforçou a importância do contributo da garrafa para a “divulgação deste património extraordinário” do Bugio — se não a nível turístico, “pelo menos cultural”, salientou.

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Daniel Rocha
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No Farol do Bugio Daniel Rocha

Se há uns anos o Vinho de Carcavelos estava em vias de extinção, hoje a conversa é outra. “O nosso objectivo era puramente de defesa do património cultural deste território”, disse Isaltino Morais sobre o investimento da câmara na recuperação de uma região demarcada em risco de extinção.

Alexandre Eurico Lisboa, responsável pelo projecto do vinho de Carcavelos da Câmara de Oeiras, afirma que, “praticamente sem esforço nenhum comercial”, o vinho está agora a crescer 30% por ano e já está presente “em 15 mercados internacionais”. “Este projecto começou numa tentativa que não se extinguisse um vinho secular. O que acabou por acontecer é que os vinhos são de grande qualidade e estamos a ser reconhecidos.”

O projecto no Bugio envolve também uma parceria com o Instituto Superior de Agronomia para investigação sobre a influência Atlântica na oxidação do vinho ao longo do tempo, em comparação com os vinhos que estão em terra, na adega. “Eu acredito que esta variação de temperatura e estes níveis de humidade [no Bugio] possam ter influência directa no processo oxidativo do vinho e é essa a expectativa que temos com este estudo”, afirma Alexandre.

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Para já, o vinho que foi lançado, que estagiou 11 anos na adega do Palácio do Marquês de Pombal e um ano na cave com condições mais extremas do Bugio, parece-lhe diferente. “Acho que é diferente da colheita de 2012 que tínhamos no mercado”, continua o arquitecto. “Tem uma acidez extrema, é vibrante na boca. Mas isto é conjectural, ainda não consigo dizer de uma forma fidedigna.”

O estudo, que irá continuar por mais um ano, irá confirmar “essas divergências” com a recolha contínua de amostras das barricas onde estão vinhos de “2022, 2017 e de 2012”, adianta Alexandre. “Nada disto é fácil, só se consegue com muita carolice e dedicação de uma equipa que não estava talhada para isto, nem a equipa da adega, nem os próprios marinheiros”, confessa.

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