Na era da comida “instagramável” é preciso não esquecer a emoção, diz José Avillez

No seu Belcanto, eleito agora 31º melhor restaurante do mundo, o chef, uns dias antes da gala, falou do vício global de fotografar a comida. Nada contra, diz, mas o seu foco é mesmo o sabor.

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Avillez prepara os snacks de boas-vindas do Belcanto DR
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Avillez no Belcanto DR
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Já diz o ditado, "os olhos também comem". E, na alta cozinha, ainda mais verdade é. São os olhos a comer primeiro do que o paladar, mas José Avillez acredita que há muito mais envolvido: das nossas experiências pessoais às emoções daquele dia. É por isso que o conhecido chef português defende que a refeição deve ser uma experiência holística, mais do que um momento para captar imagens para as redes sociais. “Não podemos esquecer de olharmos além da lente e de usufruir. Olharmos para tudo através da câmara é um prazer, mas não podemos substituir a experiência de comer”, defende ao PÚBLICO.

Quando José Avillez experimenta um prato pela primeira vez é comum fazê-lo de olhos fechados, porque não quer ser “influenciado pela beleza”, o modo como está empratado. “Comer com os olhos é também uma expectativa extraordinária sobre o prato, influenciada pela experiência que temos”, observa.

É como se cada um de nós aplicasse um filtro diferente no que come, compara, consoante as nossas emoções. E explica: “Às vezes até podemos ver igual, mas o sentimento que nos proporciona é diferente. Gosto de olhar para o [restaurante] Belcanto como um cruzamento de paisagens e toda a gente traz uma paisagem diferente, que se acrescenta ao que eu vivi e experienciei", diz Avillez, que fala connosco dias antes de, em nova edição dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo, conquistar a 31.ª posição (desceu da 25.ª mas mantém-se na liga dos World 50 Best).

Na hora de criar, com isso em mente, o chef olha para um prato como uma tela em branco, como se fosse ele próprio um pintor. “Às vezes, olho para o prato vazio e penso o que poderia servir lá e imagino já o empratamento. Outras vezes, olho para uma maçã e penso o que vou fazer com ela. Outras vezes, reinvento um cruzamento de ingredientes ou penso num poema, uma música ou uma paisagem”, enumera.

Seja como for, na era que a comida se tornou “instagramável”, lamenta que se tenha perdido o “foco” do que é a alta gastronomia: “O sabor e a textura”. E critica: “Alguns não cozinham para ninguém, mas para uma fotografia que vai circular.” Avillez não é hipócrita e também quer que as fotografias da sua comida circulem nas redes sociais, mas almeja estar à altura da “responsabilidade” que é fazer valer o sabor. “A vida toda é gerida pelo equilíbrio entre expectativa e realidade. E acho que o fazemos não é só bonito, como é bom.”

É esse o mote para os snacks de boas-vindas do Belcanto, o restaurante de autor com duas estrelas Michelin e base de criação para Avillez, que tem 15 restaurantes. Composto por quatro momentos, o prato percorre “sensações e paisagens de Portugal”. Vinda da horta, apresenta uma tartelete de brócolos e caviar. “É o reinterpretar de um produtos que, há anos, tinha de convencer os meus filhos a comerem e que está muito associado a comida de hospital, trazendo-o para a alta cozinha”, explica o chef.

Segue-se um “mergulho no mar português”: um crocante de algas com percebes ou uma tempura de barriga de atum, que lembra a ligação de Portugal ao Japão. A viagem até à floresta faz-se com uma esfera dourada, “a lembrar o pôr-do-sol”, recheada de escabeche de perdiz.

Harmonização fotográfica

O prato serve de mote ao novo projecto de que Avillez é o rosto: uma harmonização fotográfica. “Através do olho treinado de um fotógrafo e da lente competente de um telemóvel, faz-nos entender que a fotografia de um prato conta muitas histórias”, declara, elogiando o trabalho do espanhol Javier Corso, que se inspirou nos quatro snacks para fotografar Lisboa, das colinas às pitorescas ruas do Bairro Alto, sem esquecer o rio Tejo.

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Os quatro snacks do Belcanto DR
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José Avillez e Javier Corso DR

“A fotografia é algo por que tenho muito carinho, o meu pai era fotógrafo amador e a minha mulher também é. Já eu, a maior parte das vezes, quando gosto de um prato, esqueço-me de fotografar”, confessa o cozinheiro, com humor.

A proposta de harmonização entre alta cozinha e fotografia faz parte da campanha Comer com Olhos da Xiaomi, marca de tecnologia que patrocina o Guia Michelin para 2025 e 2026. “Às vezes pode parecer que os dois mundos não se ligam, mas os estímulos visuais são muito impactantes na gastronomia, tal como na tecnologia. Quisemos juntar a arte da fotografia com o Javier Corso a um dos maiores embaixadores da nossa gastronomia”, afirma Tiago Flores, porta-voz da marca chinesa em Portugal.

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