O que a UE (também) nos deu: Erasmus, carregadores universais, roaming zero

Há muitas coisas práticas, do nosso dia-a-dia, que só passaram a existir depois de entrarmos na então CEE, da moeda única aos carregadores universais. Mas há mais.

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Como a União Europeia facilitou a nossa vida Getty Images
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Antes da União Europeia (ou da Comunidade Económica Europeia) não circulávamos livremente na Europa, sem passaporte. Os portugueses não iam de Lisboa ao Algarve sempre em auto-estrada e não tinham um cartão de saúde grátis para usar fora do país, em caso de necessidade. O intercâmbio estudantil era um privilégio e o roaming também. Quase todos os países tinham moeda própria e ainda se vendiam produtos cosméticos testados em animais. Recorde algumas conquistas que vieram com a adesão à união, e que nos facilitaram a vida, sem esquecer que há muitas outras que hão-de vir.

Erasmus, um símbolo da identidade europeia

Se há um programa que simboliza a importância da União Europeia para os jovens, esse programa é o Erasmus.

Antes de esta comunidade de países se juntar numa união política e económica, o intercâmbio estudantil com o estrangeiro era coisa para estudantes de famílias privilegiadas.

Tudo mudou em 1987, quando foi criado o primeiro e “modesto regime de mobilidade para alunos do ensino superior”, como se lê no site da Comissão Europeia dedicado ao Erasmus (hoje Erasmus+).

Quase 35 anos depois, quando foi feito um balanço a propósito do lançamento de uma nova fase do programa (mais inclusiva, mais digital e mais verde), o total de jovens europeus que havia usufruído da possibilidade de fazer um intercâmbio, com o apoio de uma bolsa de estudos, ultrapassava já os 10 milhões.

Em 2021, Portugal já tinha tido mais de 220 mil participantes desde a adesão, em especial para países como a Espanha, a Polónia e a Itália (os preferidos). As Universidades do Porto, de Lisboa e a Nova de Lisboa integravam o pódio das que tinham mais estudantes envolvidos.

Desde 1987, a cobertura geográfica do programa passou de 11 países para 33 — além dos 27 Estados-membros, entraram a Sérvia, a Turquia, a antiga República jugoslava da Macedónia, a Noruega, a Islândia e o Liechtenstein. O programa está também aberto a países parceiros em todo o mundo e deixou de funcionar apenas para estudantes universitários. Hoje em dia, o Erasmus+ também abrange ensino e formação profissionais, educação escolar, educação de adultos, juventude e desporto.

Carregadores universais, uma conquista sofrida

Foi apenas em 2022 que a União Europeia conseguiu uniformizar os carregadores de smartphones. Parecia uma guerra difícil de ganhar, em especial porque do outro lado da barricada estavam empresas como a Apple, mas aconteceu.

Quando deu luz verde aos carregadores universais, o Conselho da União Europeia definiu como obrigatória, a partir de 2024, uma porta de carregamento de tipo USB-C em dispositivos electrónicos, como telemóveis, tablets, leitores de livros digitais, câmaras digitais, consolas de jogos de vídeo, auriculares, altifalantes portáteis, ratos, teclados sem fios e sistemas de navegação portáteis.

Além disso, 40 meses após a directiva entrar em vigor, também os computadores portáteis serão abrangidos pela regra, independentemente do fabricante. Algumas empresas já se anteciparam e estão a usar as portas USB-C.

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Durante a fase de discussão, foram recolhidos alguns dados sobre o comportamento dos consumidores europeus. Concluiu-se, por exemplo, que em 2020 foram adquiridos na UE 420 milhões de dispositivos electrónicos e que os cidadãos têm, em média, três carregadores para cada um desses equipamentos.

O grande desafio que se segue é tratar devidamente os cabos que serão descartados à medida que os aparelhos actuais ficarem obsoletos ou inutilizados. Qual é o destino correcto destes resíduos? Vão para o lixo comum ou podem ser valorizados? Uma vez inutilizados, estes acessórios devem ser depositados em pontos de recolha da Electrão, que é o destino correcto a dar a todos os equipamentos eléctricos e electrónicos em fim de vida.

Roaming zero, um milagre da União Europeia

Telefonar para outro país sem pagar uma taxa adicional é um dos milagres da União Europeia. Hoje, os mais novos podem achar inverosímil, mas, há alguns anos, telefonar ainda era caro (para telemóvel mais ainda) e, até à última década, telefonar para a Europa era um luxo.

As coisas começaram a mudar em 2014, quando o preço da Internet em roaming na UE caiu para menos de metade e o custo máximo das chamadas e SMS foi reduzido.

Nessa altura, o Conselho da UE começou a trabalhar num pacote legislativo para o sector das telecomunicações, que pretendia acabar totalmente com as tarifas de roaming na UE em Dezembro de 2015 – o que só veio a acontecer em 2017.

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As operadoras de telecomunicações queixaram-se de que sairiam prejudicadas e fizeram uma espécie de ameaça, ao dizer que depois se veria se o “prejuízo” não acabaria por ser suportado pelos clientes nacionais, através dos preços dos pacotes praticados.

Mas os consumidores europeus cantaram vitória: o valor pago às operadoras pela utilização de equipamentos móveis no estrangeiro, quer fosse para telefonar, enviar mensagens ou aceder à Internet, passou a ser sempre o mesmo, independentemente do Estado-membro onde o serviço está a ser prestado.

O roaming manteve-se nas ligações para/de o resto do mundo e da Europa, embora estivesse prevista, desde o início, a possibilidade de a isenção se estender à Islândia, ao Liechtenstein e à Noruega.

Nota final: para evitar abusos, quando as comunicações em roaming são superiores às domésticas durante um período de quatro meses, a operadora deve avisar o cliente e este deve prestar esclarecimentos. Se não o fizer, poderá ter de pagar uma sobretaxa.

A mesma moeda para 20 países… só na Europa!

O euro já existia desde 1999, mas não em notas e moedas físicas. Por isso, o primeiro dia de Janeiro de 2002 foi histórico na zona Euro. Os cidadãos de um grupo inicialmente composto por onze países passaram, a partir de então, a poder usar a mesma divisa em todos estados que aderiram à ideia.

Depois de abandonarem os passaportes, com a criação do Espaço Schengen, alguns europeus puderam também deixar de usar as casas de câmbio antes ou durante as suas viagens.

Com a introdução do euro, ficaram para trás o marco alemão e o finlandês, o xelim austríaco, o franco francês, o luxemburguês e o belga, a peseta, a libra irlandesa, a lira, o florim e o escudo.

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Nos primeiros (muitos) meses, as facturas eram emitidas em duas moedas e as contas eram feitas de cabeça. Em Portugal, um euro valia 200 escudos e 482 centavos (o escudo durou pouco mais de 90 anos e foi a quarta divisa usada em Portugal, precedida pelo real).

Até 2022, os portugueses que ficaram com notas de escudo em casa ainda puderam trocá-las, mas isso acabou a 28 de Fevereiro desse ano. Na altura, o Banco de Portugal fez as contas e concluiu que o público manteve na sua posse cerca de 94 milhões de euros em notas antigas que nunca mais poderão ser trocadas.

A moeda única foi-se estendendo pela Europa e hoje é usada em 20 países. Aos 11 iniciais juntaram-se, por ordem, a Grécia, a Eslovénia, Chipre e Malta, Eslováquia, Estónia, Letónia, Lituânia e Croácia.

Uma das grandes forças do euro foi assumir-se como moeda usada em transacções globais, em competição com o dólar. A atractividade da nova moeda fez com que nos primeiros meses de 2002 o euro ultrapassasse o dólar, superando as expectativas.

Uma espécie de SNS para unir os europeus

É verdade que as viagens no espaço europeu foram desburocratizadas desde que a União Europeia, o Espaço Schengen e a zona Euro surgiram, mas há outro ganho da adesão que ainda não foi referido nesta coluna: o Cartão Europeu de Seguro de Doença, que existe desde 2005.

O que é? É algo de que todos os cidadãos deviam tratar antes de fazerem viagens temporárias na UE porque o cartão dá direito a ser atendido num hospital ou centro de saúde de qualquer país europeu como se fosse um cidadão nacional.

Se for necessário receber tratamento médico num Estado-membro em que os cuidados de saúde não sejam gratuitos, o portador do cartão será reembolsado de imediato ou quando regressar ao seu país.

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Mais: o cartão não custa dinheiro. Depois de ser pedido online ou numa loja do cidadão, é enviado para casa do titular num prazo de sete dias úteis e tem a validade de três anos. Pode ser usado em todos os países da União Europeia e também na Suíça, na Noruega, na Islândia e no Liechtenstein.

A partir de 2012, o cartão passou a estar também disponível numa app para smartphones chamada Cartão Europeu de Seguro de Doença com um guia de utilização em 24 línguas.

Ainda há muitos portugueses que desconhecem este privilégio que permite aceder a um SNS europeu, mas entre 2010 e 2015 foram emitidos perto de 2,3 milhões de cartões, o que equivale a 400 mil por ano.

Vale a pena dizer que, por ser um benefício temporário, este cartão serve para cobrir situações inesperadas e não abrange os casos de turismo de saúde, em que alguém se desloca a outro país para receber um tratamento médico específico.

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