“É preciso é ter saúde!” Mas temos, senhoras?!

Há muitas áreas da saúde da mulher que precisam de ser trazidas à luz, estudadas e aprofundadas. Olhemos para alguns exemplos.

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“É preciso é ter saúde!” Mas temos, senhoras?! Eva Almqvist/ Getty Images
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O dia 28 de Maio foi o Dia Internacional pela Saúde da Mulher. Uma data que visa sensibilizar e mobilizar para a saúde e direitos sexuais e reprodutivos, garantindo serviços inclusivos e acessíveis.

Infelizmente, ao longo da História, e como em tantas outros caminhos que tivemos de trilhar, a saúde da mulher partiu em desvantagem. Desde os primórdios da investigação, o mapeamento e a ilustração científica esqueceram os nossos corpos. Aristóteles chegou mesmo a defender que a mulher seria uma espécie de desvio relativamente a um tipo mais perfeito: o homem. Este seria então a medida da humanidade, o exemplar anatómico universal, e a mulher uma falha, um homem incompleto, ou como diria Simone de Beauvoir centenas de anos mais tarde, “o segundo sexo”.

Durante séculos, o único conhecimento sobre a biologia feminina centrava-se na concepção e gravidez, o que também deixava bem claro o propósito da nossa existência.

Mesmo durante o século XX, muitos estudos mantiveram a sub-representação da mulher alegando que o ciclo menstrual e a variação hormonal introduziriam demasiadas variáveis e tornariam os estudos mais dispendiosos.

Esta perceção da mulher como ser secundário levou à invisibilização dos nossos corpos e atrasou o desenvolvimento de diagnósticos e tratamentos especializados. Isto é notório até hoje e pode, inclusive, matar-nos: o ataque de coração apresenta frequentemente diferentes sintomas nas mulheres, sendo que as guidelines de diagnóstico utilizadas continuam a ser as de 1990 baseadas numa amostra quase de homens.

Muitas são as áreas da saúde da mulher que precisam de ser trazidas à luz, de ser estudadas e aprofundadas! Mas olhemos estas poucas, em particular.

Dores menstruais

A dor na mulher, de uma forma geral, é tendencialmente mais desvalorizada e considerada menos urgente do que a de um homem. Quer pelo desconhecimento que relatei, quer porque a dor da paciente do sexo feminino é julgada como menos genuína e a sua situação clínica como​ menos grave.

Focando numa dor que nos é específica — a dor menstrual —, esta sempre foi apresentada, até com uma certa romantização, como parte do menu de “ser mulher”.

Embora seja comum algum grau de desconforto durante a menstruação, dor intensa, incapacitante, que nos leve à cama, que exija sempre medicação para conseguir “sobreviver” não é normal e pode significar algum problema de saúde, como, por exemplo, endometriose. No entanto, convencidas de que é normal, não pedimos ajuda; quando pedimos, nem todos os profissionais de saúde estão sensibilizados e/ou capacitados para diagnosticá-la, receitando muitas vezes a pílula para diminuir a dor, sem investigar melhor a situação; e tudo isto leva a que o diagnóstico de endometriose possa levar de oito a dez anos a ser feito.

Dor é sempre um sinal e deve ser observado!

Dor na relação sexual

Também a dor na relação sexual, mais concretamente na penetração vaginal — dispareunia — é altamente negligenciada, embora de frequência considerável — 3% a 18% em todo o mundo, podendo afetar de 10% a 28% da população ao longo da vida.

A negligência deve-se, mais uma vez, ao pouco conhecimento e atenção historicamente dada ao tema, mas também ao facto de o prazer sexual da mulher continuar a ser um tabu. Permanece no imaginário coletivo a imagem da mulher santa, Virgem Maria, que não precisa nem gosta de sexo. Nem deve gostar, que isso até lhe fica mal!

Respostas como “relaxe”, “beba um copo de vinho” e outras atrocidades são frequentemente ouvidas em resposta às queixas, o que só reforça esta ideia de que “prazer não é para mim”.

As causas podem ser físicas — endometriose, miomas, falta de lubrificação, consequências de episiotomia, etc. —, mas mais frequentemente de origem psicológica que afetam o desejo e excitação — como o vaginismo (contração dos músculos pélvicos que não permite penetração), ansiedade, medo de engravidar, história de abuso sexual, entre outras.

Dor na relação sexual também não é normal. Porque o sexo pretende-se uma experiência prazeroza para todos os envolvidos! Procurar ginecologia, psicoterapia e fisioterapia pélvica.

Saúde e pobreza menstrual

Cerca de 500 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a produtos de higiene menstrual, sendo esta também uma realidade em Portugal. Um estudo realizado em cinco universidades na região de Lisboa revelou que, uma em cada dez mulheres portuguesas já sentiu dificuldades económicas para comprar produtos menstruais. Assim sendo, a menstruação revela-se uma agravante de desigualdades sociais, mas também de risco para a saúde das mulheres.

A falta de produtos e condições de higiene íntima aumenta a probabilidade de infeções bacterianas e fúngicas, doença inflamatória pélvica e muitas outras.

A ministra da Saúde anunciou recentemente que a partir de Setembro serão distribuídos produtos menstruais em escolas e centros de saúde. Ótimas notícias!

Saúde física e psicológica

Apesar de terem uma maior esperança média de vida (83,3 anos vs 77,6 anos, em Portugal), as mulheres adoecem mais, mais gravemente, têm mais dor crónica e doença mental.

As mulheres fazem três vezes mais tarefas domésticas do que os seus parceiros, problema que agudiza com o nascimento dos filhos. A sobrecarga é real e a pressão constante para sermos perfeitas nas três frentes: a do trabalho pago, a da vida em casal e a dos filhos. Um nível de exigência social totalmente diferente do colocado nos seus parceiros.

É preciso não só que os homens cumpram a parte que lhes compete de tarefas domésticas, que se estabeleçam mais medidas de apoio laboral às mulheres, mas também que se criem novas narrativas de sucesso, em que não tenhamos de ser perfeitas e supermulheres em todas as frentes.

Em suma, para termos mulheres mais saudáveis é preciso que se lhes alivie a carga, lhes sejam dados apoios, que a sua saúde seja estudada, diagnosticada e alvo de cuidados à luz das especificidades dos seus corpos e das suas vidas.

Não estamos, certamente, onde estávamos há 100, 200 ou 300 anos, mas ainda muito está por fazer até que sejamos vistas e tratadas como iguais.

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