Como o novo aeroporto pode melhorar os transportes na Grande Lisboa

Em Lisboa, não é preciso só acrescentar novas linhas no mapa. Também é necessário articular as redes, acertar horários, melhorar os acessos, a sinalética e os espaços de espera.

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Megafone P3: O que afasta as pessoas dos transportes públicos? Rui Gaudêncio
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Ainda falta atingir os valores de procura dos transportes públicos anteriores à pandemia, já lá vão quatro anos. Entretanto, as estradas ressentem-se, com a maior procura do automóvel, com horas de ponta prolongadas e zonas onde é quase impossível estacionar. O que afasta as pessoas dos transportes públicos?

As causas variam: é a força do hábito, é a distância às estações, é a falta de confiança nos horários. Mas há uma razão relevante: a dificuldade em mudar de transporte, durante uma viagem.

Vamos aos exemplos: quem quiser chegar à estação do Rossio, tem de sair do metro nos Restauradores. O mesmo desencontro acontece na estação de comboio de Sete Rios, onde se chega pela estação de metro do Jardim Zoológico. O pensamento intermodal em Portugal é mais recente do que noutros países europeus e os horários dos vários modos de transporte raramente coincidem. Assim, dificilmente se conseguem mudanças suaves, sem corridas ou esperas demoradas.

Melhorar os transportes de Lisboa não passa só por acrescentar novas linhas no mapa. Também é necessário articular as redes, acertar horários, melhorar os acessos, a sinalética e os espaços de espera nas estações intermodais, enfim, criar experiências de utilização mais agradáveis.

Vem a decisão do novo aeroporto mudar o mapa actual, é certo. É preciso fazer chegar o comboio e ligá-lo às várias redes de transportes, em Lisboa e nas regiões mais próximas. Para o conseguir, a terceira travessia do Tejo torna-se inadiável, estando a ponte 25 de Abril tão congestionada.

É fácil imaginar, no futuro aeroporto Luís de Camões, um novo centro para a rede ferroviária nacional: o terreno é plano, pouco povoado, e as linhas de alta velocidade levam os passageiros até Madrid a este, para Beja, Faro e Sevilha no sul, e para o Porto e Corunha a norte, todas estas cidades servidas por aeroportos. São ligações de distância média, em que o comboio de alta velocidade é competitivo face ao avião.

A terceira travessia do Tejo também promete revolucionar os transportes da área metropolitana. Fecha um anel ferroviário nas duas margens do Tejo, com capacidade para facilmente ligar as várias linhas radiais, encurtando o tempo nas deslocações.

O anel ferroviário seria comparável à linha circular do metro de Lisboa, mas numa escala mais vasta, com comboios velozes e maior distância entre estações. Seria, por assim dizer, quase como uma segunda circular, sem emissões poluentes, a distribuir passageiros nos dois lados do rio e a aliviar a pressão imobiliária que recai sobre o centro de Lisboa.

Os dois anéis de transportes, a linha circular do metro e o anel ferroviário, teriam como pontos de contacto as estações de Entrecampos e Roma-Areeiro, que se arriscam a ver a procura de passageiros aumentar. Fará sentido manter a intenção de fazer do Oriente o hub ferroviário da Grande Lisboa? Há obras pendentes, como a duplicação da linha da Cintura, para fazer chegar ao Oriente os comboios Fertagus.

Se houvesse uma estação de comboio principal, chamar-se-ia Lisboa Central? Várias capitais europeias têm a sua, é o caso de Berlim, Copenhaga ou Viena. Pode parecer um nome neutro, mas ajudaria quem visitasse Lisboa pela primeira vez a encontrar o seu percurso.

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Opção de traçado dos transportes público na Grande Lisboa DR

Questões dessa natureza, certamente não se resolvem com um só estudo, nem com uma só decisão de um governo; muito menos com um só desenho. Requerem um acompanhamento constante da evolução dos padrões de mobilidade urbana, requer colaboração entre diferentes actores e uma discussão pública proactiva.

Nas decisões que se avizinham sobre redes de transportes, a experiência do utilizador tem de estar no centro da discussão. Um sistema bem comunicado, onde é fácil encontrar o caminho, onde os horários são fiáveis, além de tirar carros das estradas e dos parquímetros, será uma ajuda inestimável para uma Área Metropolitana sustentável, inclusiva e bem ligada ao resto do país.

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