No futebol europeu, os ricos poderão mandar “às cegas”

A UEFA não quer que uma goleada num duelo entre equipas do mesmo dono suscite ao público dúvidas sobre se existiu facilitismo. Nessa medida, há clubes que terão de mudar algo na liderança.

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Manchester United e Manchester City estão envolvidos em duas situações semelhantes, na Champions e na Liga Europa Andrew Couldridge / ACTION IMAGES VIA REUTERS
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Para a temporada futebolística 2024/25, há quem precise de mudar qualquer coisa no seu “plano de jogo” – e os casos principais ficam todos na cidade de Manchester. Com o Girona acima das expectativas, em Espanha, e o Manchester United abaixo delas, em Inglaterra, a próxima temporada de futebol vai ter dois cenários legais de solução complexa, que vai mexer nos regimes de propriedade em clubes como Manchester City, Girona, Manchester United e Nice.

A UEFA proíbe que clubes na mesma prova europeia sejam controlados pela mesma entidade, algo que vai acontecer entre o City e o Girona, na Liga dos Campeões, e o United e o Nice, na Liga Europa. A solução? Mandar às escondidas ou, como sugere a UEFA, mandar "às cegas".

No caso do City Group existe um controlo de 100% do campeão inglês e 47% do clube catalão, que são complementados pelo apoio dos 16% de Pere Guardiola, irmão do treinador do City.

A primeira solução é venderem 17% do Girona, para ficarem nos 30% que a UEFA crê garantirem a independência do clube – no fundo, seria mandarem às escondidas. A segunda hipótese é colocarem os 47% sob a liderança de uma entidade externa supervisionada pela UEFA – no fundo, mandarem "às cegas".

Esta segunda opção parece ser a mais lógica, já que quando o Girona deixar de ser clube de Champions o City Group pode reaver os seus 47% - e um Girona em sobrerrendimento pode perfeitamente voltar “ao seu lugar” em breve.

No caso da INEOS trata-se de controlo quase total do Nice e de 27,7% do United. O problema é parecido, mas com uma diferença importante: o clube mais poderoso é aquele em que a INEOS tem menor participação. Isto significa que enquanto a participação no clube inglês não chegar aos 30% talvez a UEFA feche os olhos, mas, dessa forma, a INEOS não pode aumentar muito mais a participação que tem actualmente.

Para evitar problemas, a solução da INEOS poderá passar por entregar temporariamente o Nice à tal entidade de “confiança cega” supervisionada pela UEFA.

Em qualquer dos casos é esperada a benevolência da UEFA e, em última análise, a aplicação de medidas extremas na organização económica e estatutária que previnam o Girona e o United de caírem na hierarquia europeia.

Porquê? Porque a regra da UEFA estipula que em caso de multipropriedade na mesma competição é o clube com pior posição na sua liga doméstica a cair – ou seja, o terceiro lugar do Girona em Espanha (contra o primeiro do City em Inglaterra) obrigaria os catalães a irem jogar apenas a Liga Europa e o oitavo lugar do United em Inglaterra (contra o quinto do Nice em França) faria os ingleses caírem para a Liga Conferência.

Essa benevolência da UEFA já foi até aplicada noutros casos semelhantes, nomeadamente na propriedade Brighton/Saint-Gilloise, Aston Villa/Vitória de Guimarães e AC Milan/Toulouse, nas quais pequenas alterações nas participações satisfizeram as exigências do organismo europeu. Ou até mesmo no Leipzig/Salzburgo, ainda que com contornos diferentes.

No caso da INEOS há ainda uma atenuante em relação ao City Group, que é a inexistência, até ver, de circulação de jogadores entre os clubes. No caso do City, o Girona já tem um histórico de mais de duas dezenas de transacções de jogadores entre os clubes.

A audácia do City Group chegou ao ponto de ter sido anunciado nesta semana o patrocínio da Etihad Airways ao Girona. Nada nos regulamentos da UEFA pode impedir os clubes de terem o mesmo patrocinador, pelo que City e Girona vão poder competir sob a “mão amiga” da Etihad, que vai colocando dinheiro nos dois clubes.

Quer no City Group quer na INEOS, a crença das entidades é de que a UEFA seja também sensível ao benefício mútuo destas multipropriedades. Crêem não estar a fazer do clube mais pequeno uma “barriga de aluguer”, mas sim criar uma base comum de evolução.

No fundo, o mais pequeno beneficia do dinheiro e talento do grande e o grande consegue usar um patamar intermédio para os seus talentos, além de criar linhas facilitadas de transacção de jogadores, não só a nível negocial, mas também de pagamento das transferências.

A opinião da UEFA é que, independentemente do eventual benefício mútuo, as provas europeias não podem dar-se ao luxo de uma goleada num duelo entre equipas do mesmo grupo suscitar no público dúvidas sobre se existiu facilitismo, porque isso minaria a confiança do mundo na idoneidade das provas que organiza.

A decisão, sem data anunciada, deverá ser conhecida nas próximas semanas.

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